O que NÃO está errado?
"Muitas vezes perguntamos: "O que está errado?”
Ao fazê-lo, convidamos dolorosas sementes de mágoa a se manifestarem.
Sentimos depressão, raiva, sofrimento e produzimos mais sementes dessa
natureza. Seríamos muito mais felizes se tentássemos nos manter em
contato com as sementes saudáveis, alegres, dentro de nós e à nossa
volta.
Deveríamos aprender a perguntar, "O que Não está errado?"
e a manter contato com a resposta. Há tantos elementos no mundo e no
nosso corpo, sentimentos, percepções e consciência, que são saudáveis,
revigorantes e medicinais. Se nos bloquearmos, se ficarmos na prisão da
nossa tristeza, não entraremos em contato com esses elementos salutares.
A
vida está repleta de maravilhas, como o céu azul, a luz do sol, os
olhos de um bebê. Nossa respiração, por exemplo, pode ser muito
prazerosa. Eu aprecio minha respiração todos os dias. Muitas pessoas,
porém, só descobrem a alegria de respirar quando têm asma ou nariz
entupido. Não precisamos esperar uma crise de asma para apreciar nossa
respiração. A mente alerta para os preciosos elementos da felicidade é
em si a prática da correta conscientização.
Esses
elementos estão dentro de nós e ao nosso redor. Podemos apreciá-los a
cada segundo das nossas vidas. Se agirmos assim, serão plantadas em nos
sementes de paz, alegria e felicidade, e elas se fortalecerão. O segredo
da felicidade é a própria felicidade. Onde quer que estejamos, à hora
que for, temos a capacidade de apreciar o sol, a presença do outro, a
maravilha da respiração. Não temos de viajar para nenhum lugar para
isso. Podemos entrar em contato com esses elementos neste exato
instante.
Quando
plantamos alface e ela não cresce bem não pomos a culpa na alface.
Investigamos os motivos que a levaram a não se desenvolver. Pode ser que
ela precise de mais adubo, mais água ou menos sol. Nunca pomos culpa na
alface. No entanto, se temos problemas com nossos amigos ou com nossa
família, culpamos os outros.
Se
soubermos como cuidar das pessoas, elas também se desenvolverão como
alface. A culpa não produz nenhum efeito positivo, da mesma forma que as
tentativas de persuasão pelo raciocínio e pela discussão. Essa e a
minha experiência. Nada de culpa, nada de raciocínio, nada de discussão;
apenas a compreensão. Se compreendermos e demonstrarmos que
compreendemos, o amor se torna possível e a situação se modifica.
Um
dia, em Paris, dei uma palestra sobre a ausência de culpa da alface.
Depois da palestra, estava só, em meditação andando, quando virei uma
esquina e ouvi uma menina de oito anos falando com a mãe, "Mamãe,
lembre-se de me regar. Eu sou a sua alface." Fiquei extremamente feliz
por ela ter compreendido tão bem minha mensagem. Ouvi, então, a resposta
da mãe. "E, minha filha, e eu também sou sua alface. Não se esqueça de
me regar também." A mãe e a filha praticavam juntas. Foi muito bonito.
A
compreensão e o amor não são dois sentimentos, mas um só. Imagine que
seu filho acorda um dia de manhã e vê que já é bem tarde. Ele resolve
acordar a irmãzinha para que ela tenha tempo de tomar o café da manhã
antes de ir para a escola. Acontece que ela está de mau humor e, em vez
de lhe agradecer pelo fato de tê-la acordado, ela lhe diz para calar a
boca, deixá-la em paz e lhe dá um pontapé. É provável que seu filho se
zangue, pensando, "Fui gentil ao acordá-la. Por que ela me chutou?" Ele
pode sentir vontade de ir até a cozinha para lhe contar tudo, ou até
mesmo pode revidar.
No
entanto, quando ele se lembrar que durante a noite a irmã tossiu muito,
perceberá que ela deve estar doente. Talvez ela tenha se comportado de
forma tão intratável por estar resfriada. Nesse momento, ele compreende,
e sua raiva desaparece. Quando compreendemos, não podemos deixar de
amar.
A
raiva não nos atinge. Para desenvolver a compreensão, é necessário que
pratiquemos a atitude de ver todos os seres humanos com os olhos da
compaixão. Quando compreendemos, amamos. E quando amamos, agimos
naturalmente de forma que amenize o sofrimento das pessoas."
Thich Nhat Hanh, in Paz a cada passo
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