sexta-feira, 3 de novembro de 2017

DESPERTANDO O CONHECIMENTO - A LENDA DA FLOR DE LÓTUS


Certo dia, à margem de um tranqüilo lago solitário, a cuja margem se erguiam frondosas árvores com perfumadas flores de mil cores, e coalhadas de ninhos onde aves canoras chilreavam, encontraram-se quatro elementos irmãos: o fogo, o ar, a água e a terra.
- Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva - disse o fogo cheio de entusiasmo, como é de sua natureza.
- É verdade - disse o ar. - É um destino bem curioso o nosso. À custa de tanto nos prestarmos para construir formas e mais formas, tornamo-nos escravos de nossa obra e perdemos nossa liberdade.
- Não te queixes - disse a água -, pois estamos obedecendo à Lei, e é um Divino Prazer servir à Criação. Por outro lado, não perdemos nossa liberdade; tu corres de um lado para outro, à tua vontade; o irmão fogo entra e sai por toda parte servindo a vida e a morte. Eu faço o mesmo.
- Em todo o caso, sou eu quem deveria me queixar - disse a terra - pois estou sempre imóvel, e mesmo sem minha vontade, dou voltas e mais voltas, sem descansar no mesmo espaço.
- Não entristeçais minha felicidade ao ver-nos - tornou a dizer o fogo - com discussões supérfluas. É melhor festejarmos estes momentos em que nos encontrarmos fora da forma. Regozijemo-nos à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união.
Todos o aplaudiram e se entregaram ao mais feliz companheirismo. Cada um contou o que havia feito durante sua longa ausência, as maravilhas que tinham construído e destruído. Cada um se orgulhou de se haver prestado para que a Vida se manifestasse através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E mais se regozijaram, pensando na multidão de vezes que se uniram fragmentariamente para o seu trabalho.
Em meio de tão grande alegria, existia uma nuvem: o homem. Ah! Como ele era ingrato. Haviam-no construído com seus mais perfeitos e puros materiais, e o homem abusava deles, perdendo-os. Tiveram desejo de retirar sua cooperação e privá-lo de realizar suas experiências no plano físico. Porém a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre os quatro irmãos.
Aproximando-se o momento de se separarem, pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse através das idades a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, e servisse de símbolo e exemplo para o homem. Houve muitos projetos que foram abandonados por serem incompletos e insuficientes. Por fim, reflectindo-se no lago, os quatro disseram: - 
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E se construíssemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela? - A idéia pareceu digna de experiência.
- Eu porei as melhores forças de minhas entranhas - disse a terra - e alimentarei suas raízes.
- Eu porei as melhores linfas de meus seios - disse a água - e farei crescer sua haste.
- Eu porei minhas melhores brisas - disse o ar - e tonificarei a planta.
- Eu porei todo o meu calor - disse o fogo - para dar às suas corolas as mais formosas cores.
Dito e feito. Os quatro irmãos começaram a sua obra. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha. Quando os quatro elementos se separaram, a Flor de Lótus brilhava no lago em sua beleza imaculada, e servia para o homem como símbolo da pureza e perfeição humana.
DESCONHEÇO A AUTORI

DESPERTANDO E CONHECIMENTO - A LENDA DA PHOENIX

A LENDA DA PHOENIX




A Phoenix, Fênix ou Phoinix (grego) é a lendária ave que ateia fogo em si mesma quando descobre que está para morrer.

Ela povoou o imaginário mitológico das antigas civilizações egípcia e grega.

A lenda diz que a primeira Phoenix surgiu de uma centelha que o deus Ra soprou sobre a face da Terra, representando o Fogo Sagrado da Criação.

Segundo a lenda, seu habitat é entre os desertos da Arábia, entre as ervas e temperos aromáticos.

Ela vive por volta de 500 anos e após esse período procura uma árvore solitária e, no alto de sua copa, faz seu ninho com canela, olíbano (uma espécie de goma-resina, encontrado na África e na Índia; especiaria muito utilizada na Antiguidade para se fazer incenso) e mirra (espécie de arbusto encontrado em regiões desérticas, especialmente na África e no Oriente Médio).

Ela, então, ateia-se fogo e de suas cinzas surge um pequeno ovo vermelho de onde nasce uma outra Phoenix, mais forte e mais bonita.

Ela representa a imortalidade do ser, o poder de mudança, de consciência de si mesmo.

Pode ser vista, também, como um modelo de perfeição ou de beleza absoluta.

Na mitologia egípcia a Phoenix é reverenciada como a personificação do deus Ra (deus do sol). Existe somente uma da espécie e é por isso que o deus Ra jurou que enquanto a Phoenix renascer das cinzas, a esperança, no mundo, nunca morrerá.

Portanto, a Phoenix representa a depuração da alma.

Segundo a lenda, o tamanho da ave assemelha-se ao da águia.

Tem olhos brilhantes como as cores das estrelas.

Sua plumagem é dourada no pescoço e no papo;

púrpura no restante do corpo;

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possui uma crista formada por penas finíssimas e delicadas, sendo sua calda constituída por penas longas e suaves, nas cores branca e vermelha.

Na mitologia oriental também existe uma Phoenix que simboliza a felicidade, a virtude e a inteligência.

E sua plumagem é feita das sete cores sagradas para os orientais: as cores do arco-íris.


Sejamos, então, como a Phoenix. Que tenhamos o entendimento necessário para aprender com cada dificuldade e que, assim, renasçamos cada vez mais fortes depois de cada problema, cada fase difícil e de cada obstáculo ultrapassado.

DESPERTANDO O CONHECIMENTO - QUEM FOI ELIPHAS LÉVI...

Eliphas Lévi



Eliphas Lévi, nome de baptismo Alphonse Louis Constant, (8 de fevereiro de 1810 – 31 de Maio de 1875) foi um escritor francês, e ocultista.

O seu pseudónimo "Eliphas Lévi," sob o qual ele publicava seus livros, resultou da tradução o seu nome "Alphonse Louis" para a língua hebraica.

Filho de um sapateiro, demonstrou grande inteligência, e aos dez anos de idade foi educado no presbitério da Igreja de Saint-Louis em L´lle onde aprendeu o catolicismo. De lá foi encaminhado aos quinze anos de idade para o seminário de Saint-Nicolas du Chardonnet onde realizou os estudos preparatórios. Em 1830 foi transferido para o seminário de Issy para estudar filosofia. E em 1832 ingressou no seminário de Saint-Sulpice para estudar teologia.

Foi ordenado diácono em 1835. Teria sido ordenado sacerdote, não tivesse confessado o amor por Adelle Allenbach, que ele havia realizado a primeira comunhão.

Obras
• Dogma e Ritual da Alta Magia –
• História da Magia
• A Chave dos Grandes Mistérios –
• A Ciência dos Espíritos –
• As Origens da Cabala
• Os Mistérios da Cabala
• Curso de Filosofia Oculta
• Fábulas e Símbolos
• O Livro dos Sábios -
• O Grande Arcano –
• Os paradoxos da Sabedoria Oculta

Nascido em Paris, filho de uma família de tradição católica e recursos limitados, seu verdadeiro nome era Alphonse-Louis Constant. "Éliphas Lévi Zahed" é tradução hebraica do seu nome. Dizem que viveu uma infancia feliz, embora, não tivesse muitos amigos e só pensasse em namorar. Entretanto, aos doze anos fez sua primeira comunhão, trocando seu enorme anseio de amar pelo amor a Jesus. Segundo suas próprias palavras: "Meu coração se encheu de paixão por Jesus, que se sacrificou pela humanidade… A imagem de Jesus me fazia derramar lágrimas, e o nome de Maria fazia meu coração disparar.."

Aos dez anos ingressou na comunidade do presbitério da Igreja de Saint-Louis, em L´lle, onde aprendeu o catecismo sob a direção do abade Hubault, que costumava selecionar os garotos que demonstravam algum pendor para a carreira eclesiástica. Éliphas acabou encaminhado por ele ao seminário de Saint-Nicolas du Chardonnet, para concluir os estudos preparatórios. No seminário, teve a oportunidade de aprofundar-se nos estudos lingüisticos e aos dezoito anos já era capaz de ler a bíblia em seu texto original.

Mais tarde, foi transferido para o seminário de Issy para cursar Filosofia e dois anos depois, ingressou em Saint-Sulpice para o curso de Teologia.

Faltava um ano para ser ordenado sacerdote, quando tomou consciência de que seu amor carnal falava mais alto do que o amor ao Cordeiro e Maria…

Ainda assim, foi um estudante destacado. Chegou a receber as ordens eclesiásticas menores, tornando-se diácono. Contudo, acabou sendo obrigado a abandonar os estudos religiosos, por conta de sua ideologia política e da intemperança carnal… Fora designado catequista de garotas, atividade,sem dúvida muito agradável,embora tenha contribuído para podar de vez suas aspirações sacerdotais…

Após 15 anos de estudos, Éliphas deixou o Saint Sulpice para ingressar na Vida. Tinha então vinte e seis anos e sua mãe, ao saber da sua "deserção sacerdotal", suicidou-se.

Abalado, sem experiência do mundo, enfrentando sérias dificuldades para encontrar um emprego, dificuldades estas, agravadas pelo boato de sua expulsão do seminário. Chegou a percorrer o interior da França, trabalhando em um circo. De volta a Paris, arrumou alguns trabalhos como pintor e jornalista. Fundou, com seu amigo Henri-Alphonse Esquirros, uma revista denominada "As Belas Mulheres de Paris", na qual trabalhou como desenhista e pintor, enquanto Esquirros fazia as vezes de redator.

Mas, apesar desta, digamos, "contingência forçada pelo instinto de sobrevivência" Éliphas não perdeu sua inclinação natural para a vida religiosa. Afastou-se de Esquirros e partiu, em 1839, para o convento de Solesmes, dirigido por um abade rebelde. Isso realmente mudou sua vida. Em Solesmes, Lévi encontrou uma biblioteca grande e preciosa, iniciando-se na leitura dos antigos Padres da Igreja, dos Gnósticos e de alguns livros ocultistas, principalmente, os de Madame Guyon, que acabaram por influenciá-lo mais do que se imagina, principalmente o "Spiridion".

Ao deixar Solesmes, porém, foi obrigado a pular de emprego em emprego, sempre atormentado pelo clero católico, que via nele um apóstata. Foi então que escreveu sua Bíblia da Liberdade. Essa publicação custou-lhe oito meses de prisão e 300 francos de multa. Foi acusado de profanar a religião, atentar contra as bases da sociedade e de propagar ódio e insubordinação.

Mais ou menos nesta altura conheceu os escritos de Swedenborg e parece que não os apreciou grande coisa…

Após Swedenborg, porém, tomou ciência dos grandes magos medievais, que o lançaram definitivamente no caminho do oculto: Guillaume Postel, Raymond Lulle e Agrippa. Assim em 1845, aos trinta e cinco anos de idade, escreveu sua primeira obra ocultista, "O livro das Lágrimas ou o Cristo Consolador".

Sua obra difunde o conceito de que o Homem é um microcosmo, síntese de todo o universo e que todas as coisas no cosmo estão ligadas por uma rede invisível de correspondências interiores. Publicou grande número de livros que até hoje são considerados fundamentais, mesmo pelos ocultistas modernos. Entre estes podemos citar: " Dogma e Ritual de Alta Magia”,

“História da Magia”,"Curso de Filosofia Oculta", "A Chave dos Grandes Mistérios", "A Ciencia dos "Espíritos", etc

Nos 20 anos seguintes, sua vida foi marcada por intensa atividade: converteu-se ao socialismo revolucionário, publicou textos anarquistas e foi preso por suas atividades políticas. Enquanto isso, ainda teve tempo para gerar um filho bastardo e acabou se casando com uma garota muito mais nova que ele. Não obstante, viveu uma intensa busca espiritual até 1854, quando já abandonado pela mulher, conheceu o messianista Hoene Wronski.

Contudo, uma das principais contribuições de Lévi ao ocultismo foi demonstrar a correspondência entre o Tarot e a Árvore da Vida da Cabalah judaica.

Aliester Crowley, que considerava a si mesmo como o maior mago do século XX, acreditava-se uma reencarnação de Lévi, conclusão à qual chegou, principalmente, por achar que suas idéias e tabulações cabalisticas eram multo semelhantes às do mago francês.

Bem… Isso não me parece razão suficiente para sustentar tal crença. Afinal, os livros de Lévi estão por aí e ao alcance de quem se dispuser a lê-los. Enfim…

Todavia, Éliphas Lévi deu novo impulso ao ocultismo de sua época, incentivando a nova geração a reviver a arcaica chama gnóstica, mas agora, tendo como aliados a Magia e a Cabalah cristã.

Quando jovem, Éliphas Lévi, sempre buscara uma causa e, como bem salienta sua biografia, inicialmente dedicou-se de corpo e alma ao catolicismo e, mais tarde, à política revolucionária.

Entretanto, apenas ao conhecer o místico polonês J. M Hoene-Wronski, Levi encontrou o desafio que consumiria o resto da sua vida: Tornar-se um Mago.

A existência de exilados políticos jamais foi um fenômeno novo na história da Polônia e isso também ocorreu no século XIX. Nessa época, muitos poloneses escolheram a França como pátria de adoção e, em Paris, alguns deles dedicaram-se, naturalmente, ao interessante exercício das conspirações políticas.. Nem todos, porém. Alguns refugiavam-se em sonhos místicos, como, por exemplo, os que consideravam a PoIônià uma "nação escolhida", cujos sofrimentos eram necessários para a redenção do resto da Europa.

Um dos mais excêntricos desses idealistas, talvez tenha sido tenha sido J. M. Haene-Wronski (1776-1853), o primeiro mestre ocultista a inspirar Alphonse-Louis Constant, nosso Éliphas Lévi.

Wronski, originalmente soldado profissional, abandonara a carreira militar para se dedicar à filosofia e à ciência e mudou-se para a França, onde ganhava a vida dando aulas particulares de Matemática.

Por volta de 1810, chegou à brilhante conclusão de que havia descoberto o Absoluto ou seja, que alcançara, pelo uso da razão, o perfeito entendimento da natureza essêncial da realidade e da verdade. Expressou seu suposto conhecimento por meio de fórmulas matemáticas, que se revelaram incompreensíveis não apenas para os leigos, como também para os especialistas.

Wronski, porém, estava tão convencido de sua própria genialidade que viajou até Londres para tentar obter privilégios e subvenções do Parlamento Britânico. Os ingleses mantiveram-se céticos, mas sua insistência foi de tal forma inoportuna, que levou um eminente matemático, membro da comissão científica conhecida como" Board of Longitude", a comentar que para o bem da ordem social, seria melhor que Wronski fosse dormir e não acordasse jamais…

Ainda havia muito preconceito em relação ao ocultismo, e, seria bem provável que a aversão do matemático ilustre por Wronski aumentasse em ordem geométrica, caso ele soubesse que o sábio polonês era um estudioso de doutrinas místicas, como o gnosticismo e a cabalah…

E pior… Estava convencido de que homens comuns poderiam, por meio de técnicas esotéricas, desenvolver poderes divinos.

Wronski e Eliphas Levi, então um jornalista pobre e desconhecido, conheceram-se em 1850 e, na altura, após a perda do credo católico dos seus anos verdes, desiludíra-se também com a política revolucionaria, que dantes substituira a fé em seu coração.

Entretanto, Lévi sempre fora um idealista, e justamente quando andava em busca de alguma nova nova crença que desse sentido à sua vida, Wronski lhe apresentou sua doutrina do Absoluto, a idéia de que a Polônia era “o Cristo da Europa”, suas interpretações da Cabalah e de outros sistemas místicos e, principalmente, a convicção de que os homens poderiam alcançar um estado divino pela prática da magia ritual.

 Séon de Salomão – (O Grande Símbolo de Salomão, gravura de Éliphas Lévi, Magia Transcendental, edição de 1896)



Lévi, tinha uma visão dualista do cosmo. Todas as manifestações do mundo visível, fossem qual fossem, mesmo sem qualquer nexo aparente, eram, apenas e tão somente, a conseqüencia visível de um eterno jogo, cujos elementos resultavam da interação de polaridades: luz e trevas, mente e matéria, o bem e o mal, o objetivo e o subjetivo.

Como símbolo desta idéia, ele desenhou esta curiosa versão antropomórfica do "Seon de Salomão, hexagrama através do qual, Salomão, conforme reza a lenda judaica, podia controlar as legiões de demônios que mantinha a seu serviço.

Fascinado também pelas idéias do polonês Wronski, Éliphas Lévi mergulhou de modo obsessivo no estudo de todas as ciências ocultas: alquimia, quiromancia,fisiognomia, cartomancia,magia ritual, feitiçaria pura e simples, astrologia e quejandos.

Vasculhando as inúmeras bibliotecas de Paris em busca de grimórios e códices esotéricos, leu, com voracidade, uma enorme quantidade de textos, os mais variados possíveis e das mais variadas procedencias.

Mas sua busca não parou por aí: perdeu horas e horas do seu tempo em companhia de" videntes", "adivinhos"," magos" "profetas" e desocupados amalucados de todo tipo, sempre na esperança de extrair alguma sabedoria dessas longas (e na maioria das vezes inúteis) conversas.

Uma das conclusões a que chegou, depois de toda essa pesquisa, foi a de que os antigos textos de alquimia e magia haviam sido escritos num código simbólico, e, que se conseguisse decifrá-lo, desvendaria os segredos fundamentais do Universo. Com isso, ele se tornaria o guardião de verdades espirituais muito mais importantes do que as descobertas e interpretações de seu mestre Wronski.

Wronski morreu em 1853 e, embora lamentando o desaparecimento do amigo que lhe abrira os olhos para o ocultismo, Lévi não ficou tão profundamente abalado assim…. Nessa época, achava que já tinha superado o Mestre e sentia-se pronto para receber grandes revelações espirituais. Em 1854, um ano após a morte de Wronski, Éliphas viajou à Londres, onde se encontrou com inúmeros ocultistas ingleses, que lhe pediram revelações e prodígios. Longe de querer (ou poder) iniciá-los na magia cerimonial, isolou-se no estudo da Alta Cabala.

Havia um, contudo, que se tornou seu grande amigo: Bulwer Lytton, autor de Zanoni, Os Últimos Dias de Pompéia, A Raça Futura, etc.

Um ano mais tarde, considerou que suas pesquisas haviam avançado o suficiente para que pudesse realizar um experimento mágico de verdade, neste caso, fazer com que o espírito de Apolônio de Tiana, filósofo e taumaturgo do século I, se manifestasse de forma visível.

Segundo relato do próprio Lévi, o ritual de evocação foi precedido por três semanas de preparação e purificaçào, durante as quais ele se alimentou apenas frugalmente, isolou-se e absteve-se do sexo.Enquanto se preparava, tratou de entabular longas conversas imaginárias com o sábio em questão…Resumindo, Lévi "impregnou-se" de Apolônio até à medula….

Terminado o período probatório e preparatório, envergou seu traje cerimonial branco, colocou na cabeça uma tiara de verbena entrelaçada a uma corrente dourada, e deu início à cerimônia, queimando pedaços de carvão vegetal colocados em dois pratos de cobre. Em seguida, queimou vários tipos de incenso, pois a espessa fumaça era necessária a fim de que o espírito do filósofo pudesse "criar um suporte material" para se manifestar. Como ele próprio conta, ao começar a recitar as palavras mágicas do ritual:

“a fumaça se dispersou, flutuando acima do altar. Coloquei então, mais carvão e perfume nos pratos incandescentes e em seguida, na frente do altar, distingui claramente a figura de um homem de estatura acima da média, envolto da cabeça aos pés numa mortalha. Senti um frio extraordinário e, quando tentei falar com o espírito, nenhum som saiu-me da boca. Apontei então minha espada mágica para a figura e ordenei-lhe, em pensamento, que me obedecesse. O fantasma tornou-se difuso e desapareceu de repente. Quando ordenei que retornasse, percebi alguém respirando a meu lado e alguma coisa tocou-me a mão com que eu segurava a espada. No mesmo instante, meu braço paralisou-se e conclui que, por alguma razão, a espada desagradava ao espírito e voltei sua ponta para o chão, perto de mim e já no interior do círculo. Senti uma grande fraqueza em todos os membros do corpo, e uma sensação de que iria perder os sentidos tomou conta de mim, obrigando-me a sentar. Cai em profunda letargia, embora, povoada por sonhos, mas dos quais tive apenas uma lembrança confusa, quando recobrei a consciência."

Lévi planejara fazer duas perguntas ao espírito, uma em nome de certo amigo e outra em seu próprio. Embora o espírito de Apolônio não lhe tivesse dirigido a palavra, as respostas às duas questões vieram-lhe à mente. Para o amigo interessado na saúde de alguém, a resposta foi "morte". Para a sua própria pergunta (não registrada), o vaticínio também não foi nada agradável. Talvez Aplônio não simpatizasse com Lévi…

Nos dias seguintes, Lévi ainda conseguiu que Apolônio se manifestasse mais duas vezes.

Em cada uma delas, o sábio tornou-se visível e transmitiu-lhe ensinamentos profundos em resposta às suas questões filosóficas, igualmente complexas. Talvez em função de critérios esotéricos ocultos, a formulação exata das perguntas e respostas não foi registrada por Lévi, tornando-se impossível avaliar a veracidade de suas alegações.

Uma delas é a de que Apolônio lhe teria transmitido segredos de tal ordem, que poderiam mudar, em pouco tempo, os fundamentos e as leis da sociedade em geral, caso fossem do conhecimento de todos.

Por outro lado, Lévi desaconselha a seus leitores experiências semelhantes:" Considero esse tipo de experiência destrutivo e perigoso. Recomendo o maior cuidado àqueles que decidirem realizá-las, pois provocam enorme esgotamento físico e mental e, muitas vezes, um choque capaz de desequilibrar para sempre a saúde do indivíduo. Sobretudo se o curioso em questão for de indole superficial ou pessoa espiritual e psicologicamente despreparada, ultrapassar os limites da razão pode se revelar uma experiência insuportável." E fatal…



Algum tempo depois de "invocar" o espírito de Apolônio, Lévi publicou" Dogma da Alta Magia" e, em sua sequência, o "Ritual da Alta Magia", vindo a lume pouco mais tarde. Muitos leitores reclamaram, pois Lévi, embora apresentasse instruções precisas, principalmente sobre a Magia Cerimonial, não o fazia de forma acessível a todos. Propositalmente ou não, "velava" mais do que "descobria".Havia repetições, aparentemente, sem maiores utilidades E deixava lacunas importantes. Aliás, montes delas…

Meu exemplar, por exemplo, comprado aqui no Brasil, engloba estas duas obras e alguns dos erros que observei chegam a ser bem grosseiros… Problemas com o tradutor? Talvez…


No passado chegaram mesmo a inspirar (e mui seriamente), outros ocultistas famosos, desde o controvertido Aleister Croley à enigmática Madame Blavatski. Aliás, Blavatski que em seus livros, geralmente, "desancava" sem dó os colegas ocultistas, ao se reportar a Lévi (o que acontece seguidamente) suas referências, em geral, são elogiosas e, se por acaso, discorda dele em algum ponto, fato raro, ela o faz de forma bastante delicada e sutil…

De acordo com Lévi, três dogmas fundamentais da Alta Magia, por si só, explicam todos os fenômenos da existência. Aliás, Lévi deixa bem claro seu conceito de sobrenatural. "O sobrenatural, se acontecer será algo gravíssimo e realmente demoníaco" pois seria como "subverter" a Natureza, já que a verdadeira Magia é pró Natura, portanto inteiramente "natural…

O primeiro é o dogma da correspondência, uma idéia já presente na Antiguidade: "Assim como é em cima, assim é embaixo". De acordo com essa visão, o Homem é microcosmo, um pequeno universo que reflete, em miniatura, o macrocosmo, ou o grande Universo do qual todos fazemos parte. Cada fenômeno do universo tem seu reflexo correspondente na alma e, com práticas ocultistas, o mago pode transformar o mundo exterior por meio de intervenções no pequeno mundo interior.

O elo de ligação entre estas duas esferas, a grande e a pequena, seria a luz astral, substância invisível, assim chamada por falta de nome mais específico, que é onipresente e cuja existência fundamenta o segundo dogma de Lévi. A Luz Astral relaciona-se intimamente com a matéria, pois cada objeto físico possuiria um "duplo astral", de certa forma, ligado ao seu seu correlato material. Lévi acreditava (assim como várias outras vertentes do ocultismo) que seria o mundo material a refletir o Astral, e não o contrário. E seria por conta disso, que a manipulação da Luz Astral, permitiria ao magista influenciar tanto o universo físico, como até mesmo interferir na vida pessoal (ou nas percepções) de seus semelhantes.

Tal controle poderia ser alcançado, por qualquer indivíduo, mediante treinamento intensivo da imaginação e da vontade. Este é o terceiro dogma fundamental de Lévi, que afirma que:" a vontade e a imaginação constituem forças naturais poderosíssimas que adequadamente compreendidas e utilizadas, literalmente "moveriam montanhas…"

Infelizmente, as teorias de Levi não fizeram grande sucesso durante sua vida. Seus livros vendiam pouco, fato que o obrigava a dar aulas de ocultismo para sobreviver.

Além disso, também enfrentou o descrédito de grande parte dos contemporâneos, que o consideravam além de charlatão, uma criatura amalucada. Pior que isso: consideravam-no exibicionista e sensacionalista. Ainda assim, mesmo em vida teve discípulos fieis. Não muitos, mas os teve…


Entretanto, acreditando ou não em seus escritos, jamais deixei de crer em seu idealismo.


Éliphas levava uma vida bastante simples. Suas regras eram: "grande calma de espírito, asseio corporal, temperatura sempre igual, de preferência um pouco mais fria do que quente, uma habitação arejada e bem seca, onde nada lembre as necessidades grosseiras da vida, refeições regulares e proporcionais ao apetite, que deverá ficar satisfeito e não excitado. Deixar o trabalho antes do cansaço, praticar exercícios moderados e regulados e jamais aquecer-se ou excitar-se à noite, para que a maior calma preceda o sono. Com uma vida regulada assim, pode-se prevenir todas as doenças, que se apresentam sempre sob a forma de indisposições, fáceis de combater com remédios simples e brandos… uma xícara de vinho quente para o enfraquecimento e o resfriado, alguns copos de hidromel! como purgativo, infusão de borragem e leite para a gripe, muita paciência e alegria farão o resto".

Muitas vezes foi acusado de não entender, ou mesmo "distorcer" a Tradição Mística do Ocidente.

Lévi certamente foi uma pessoa crédula, ou não levaria grimórios medievais tão a sério. Afinal, os tempos eram outros… Aliás, Lévi foi acusado também de selecionár os ditos grimórios de acordo com suas próprias conveniências e já com algumas, digamos, "correções basicas" de sua própria lavra…

Suas descrições dos rituais e procedimentos para invocar demônios são hilariantes, mas se até hoje existe gente que os toma ao pé da letra.

Como culpá-lo?

DESPERTANDO O CONHECIMENTO - A CHAVE DOS GRANDES MISTÉRIOS por Eliphas Levi

A CHAVE DOS GRANDES MISTÉRIOS

A Chave dos Grandes Mistérios De acordo com Henoch, Abraão, Hermes Trismegisto e Salomão




A religião diz: Acreditai e compreendereis. A ciência vem vos dizer: Compreendei e acreditareis. "Então, toda a ciência mudará de fisionomia; o espírito, por muito tempo destronado e esquecido, retomará seu lugar; será demonstrado que as tradições antigas são inteiramente verdadeiras; que o paganismo não passa de um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que basta limpá-las, por assim dizer, e recolocá-las em seu lugar, para vê-las brilhar com todo o esplendor. Em uma palavra, todas as idéias mudarão; e, uma vez que, de todos os lados, uma multidão de eleitos clama em concerto: "Vinde, Senhor, vinde!", por que reprovaríeis os homens que se lançam nesse futuro majestoso e se glorificam de adivinhá-lo?"

Joseph de Maistre,

Soirées de Saint-Pétersbourg

PREFÁCIO

Os espíritos humanos têm a vertigem do mistério. O mistério é o abismo que atrai, sem cessar, nossa curiosidade inquieta por suas formidáveis profundezas.

O maior mistério do infinito é a existência de Aquele para quem e somente para Ele - tudo é sem mistério.

Compreendendo o infinito, que é essencialmente incompreensível, ele próprio é o mistério infinito e externamente insondável, ou seja, ele é, ao que tudo indica, esse absurdo por excelência, em que acreditava Tertuliano.

Necessariamente absurdo, uma vez que a razão deve renunciar para sempre a atingi-lo; necessariamente crível, uma vez que a ciência e a razão, longe de demonstrar que ele não é, são fatalmente levadas a deixar acreditar que ele é, e elas próprias a adorá-lo de olhos fechados.

É que esse absurdo é a fonte infinita da razão, a luz brota eternamente das trevas eternas, a ciência, essa Babel do espírito, pode torcer e sobrepor suas espirais subindo sempre; ela poderá fazer oscilar a Terra, nunca tocará o céu.

Deus é o que aprenderemos eternamente a conhecer. É, por conseguinte, o que nunca saberemos.

O domínio do mistério é um campo aberto às conquistas da inteligência. Pode-se andar nele com audácia, nunca se reduzirá sua extensão, mudar-se-á somente de horizontes. Todo saber é o sonho do impossível, mas ai de quem não ousa aprender tudo e não sabe que, para saber alguma coisa, é preciso resignar-se-a estudar sempre!

Dizem que para bem aprender é preciso esquecer várias vezes. O mundo seguiu esse método. Tudo o que se questiona em nossos dias havia sido resolvido pelos antigos; anteriores a nossos anais, suas soluções escritas em hieróglifos não tinham mais sentido para nós; um homem reencontrou sua chave, abriu as necrópoles da ciência antiga e deu a seu século todo um mundo de teoremas esquecidos, de sínteses simples e sublimes como a natureza, irradiando sempre unidade e multiplicando-se como números, com proporções tão exatas quanto o conhecimento demonstra e revela o desconhecido. Compreender essa ciência é ver Deus. O autor deste livro, ao terminar sua obra, acreditará tê-lo demonstrado.

Depois, quando tiverdes visto Deus, o hierofante vos dirá: Virai-vos e, na sombra que projetais na presença desse sol das inteligências, ele fará aparecer o Diabo, o fantasma negro que vedes quando não olhais para Deus e quando acreditais ter preenchido o céu com vossa sombra, porque os vapores da terra parecem tê-la feito crescer ao subir.

Pôr de acordo, na ordem religiosa, a ciência com a revelação e a razão com a fé, demonstrar em filosofia os princípios absolutos que conciliam todas as antinomias, revelar enfim o equilíbrio universal das forças naturais, tal é a tripla finalidade desta obra, que será, por conseguinte, dividida em três partes.

Mostraremos a verdadeira religião com caracteres tais que ninguém, crente ou não, poderá desconhecê-la, será o absoluto em matéria de religião. Estabeleceremos, em filosofia, os caracteres imutáveis dessa verdade, que é, em ciência, realidade, em julgamento, razão e, em moral, justiça. Enfim, faremos conhecer estas leis da natureza cujo equilíbrio é o sustento e mostraremos o quanto são vãs as fantasias de nossa imaginação diante das realidades fecundas do movimento e da vida. Convidaremos também os grandes poetas do futuro para refazerem a divina comédia, não mais de acordo com os sonhos do homem, mas segundo as matemáticas de Deus.

Mistério dos outros mundos, forças ocultas, revelações estranhas, doenças misteriosas, faculdades excepcionais, espíritos, aparições, paradoxos mágicos, arcanos herméticos, diremos tudo e explicaremos tudo. Quem pois nos deu esse poder? Não tememos revelá-lo a nossos leitores.

Existe um alfabeto oculto e sagrado que os hebreus atribuem a Henoch, os egípcios a Tot ou a Mercúrio Trismegisto, os gregos a Cadmo e a Palamédio. Esse alfabeto, conhecido pelos pitagóricos, compõe-se de idéias absolutas ligadas a signos e a números e realiza, por suas combinações, as matemáticas do pensamento. Salomão havia representado esse alfabeto por setenta e dois nomes escritos em trinta e seis talismãs e é o que os iniciados do Oriente denominam ainda de as pequenas chaves ou clavículas de Salomão. Essas chaves são descritas e seu uso é explicado num livro cujo dogma tradicional remonta ao patriarca Abraão, é o Sepher Yétsirah, e, com a inteligência do Sepher Yétsirah, penetra-se o sentido oculto do Zohar, o grande livro dogmático da Cabala dos hebreus. As clavículas de Salomão, esquecidas com o tempo e que se dizia estarem perdidas, nós as encontramos, e abrimos sem dificuldade todas as portas dos antigos santuários, onde a verdade absoluta parecia dormir, sempre jovem e sempre bela, como aquela princesa de um conto infantil que espera durante um século de sono o esposo que deve despertá-la.

Depois de nosso livro, ainda haverá mistérios, mas mais alto e mais longe nas profundezas infinitas. Esta publicação é uma luz ou uma loucura, uma mistificação ou um monumento. Lede, refleti e julgai.

Primeira Parte
Mistérios Religiosos
Problemas a resolver

I. Demonstrar de uma maneira certa e absoluta a existência de um Deus e dela dar uma idéia satisfatória para todos os espíritos.
II. Estabelecer a existência de uma verdadeira religião de maneira a torná-la incontestável.
III. Indicar o alcance e a razão de ser de todos os mistérios da religião única, verdadeira e universal.
IV. Transformar as objeções da filosofia em argumentos favoráveis à verdadeira religião.
V. Traçar o limite entre a religião e a superstição e dar a razão dos milagres e dos prodígios.
Considerações preliminares
Quando o conde Joseph de Maistre, este grande lógico apaixonado, disse com desespero: O mundo está sem religião, assemelhou-se àqueles que dizem temerariamente: Deus não existe.
O mundo, com efeito, está sem a religião do conde Joseph de Maistre, assim como é provável que Deus, tal qual o concebe a maioria dos ateus, não exista.
A religião é uma idéia apoiada num fato constante e universal; a humanidade é religiosa: a palavra religião tem, portanto, um sentido necessário e absoluto. A própria natureza consagra a idéia que representa essa palavra e a eleva à altura de um princípio.
A necessidade de crer liga-se estreitamente à necessidade de amar: é por isso que as almas têm necessidade de comungar com as mesmas esperanças e com o mesmo amor. As crenças isoladas não passam de dúvidas: é o laço da confiança mútua que faz a religião ao criar a fé.
A fé não se inventa, não se impõe, não se estabelece por convicção política; manifesta-se, como a vida, com uma espécie de fatalidade. O mesmo poder que dirige os fenômenos da natureza estende e limita, além de todas as previsões humanas, o domínio sobrenatural da fé. Não se imaginam as revelações, elas se impõem, e nelas se crê. Por mais que o espírito proteste contra as obscuridades do dogma, está subjugado pela atração dessas mesmas obscuridades, e freqüentemente o mais indócil dos pensadores coraria em aceitar o título de homem sem religião.
A religião ocupa um espaço bem maior entre as realidades da vida do que pretendem crer aqueles que dispensam a religião ou que têm a pretensão de dispensá-la. Tudo o que eleva o homem acima do animal, o amor moral, a abnegação, a honra são sentimentos essencialmente religiosos. O culto da pátria e do lar, a religião do juramento e das lembranças são coisas que a humanidade jamais abjurará sem se degradar completamente, e que não saberiam existir sem a crença em alguma coisa maior do que a vida mortal, com todas as suas vissicitudes, suas ignorâncias e suas misérias.
Se a perda eterna no nada tivesse de ser o resultado de todas as nossas aspirações às coisas sublimes que sentimos serem eternas, a fruição do presente, o esquecimento do passado e a displicência para com o futuro seriam nossos únicos deveres, e seria rigorosamente verdadeiro dizer, com um sofista célebre, que o homem que pensa é um animal degradado.
Por isso, de todas as paixões humanas, a paixão religiosa é a mais poderosa e a mais vivaz. Produz-se seja pela afirmação seja pela negação, com igual fanatismo, uns afirmando com obstinação o deus que fizeram à sua imagem, outros negando Deus com temeridade, como se tivessem podido compreender e devastar por um único pensamento todo o infinito que está ligado a seu grande nome.
Os filósofos não refletiram suficientemente sobre o fato fisiológico da religião na humanidade: a religião, com efeito, existe além de toda discussão dogmática. É uma faculdade da alma humana, da mesma forma que a inteligência e o amor. Enquanto houver homens, a religião existirá. Considerada assim, ela não é outra coisa que a necessidade de um idealismo infinito, necessidade que justifica todas as aspirações ao progresso, que inspira todas as abnegações, que sozinha impede a virtude e a honra de serem unicamente palavras que servem para iludir a vaidade dos fracos e dos tolos em proveito dos fortes e dos hábeis.
É a essa necessidade inata de crença que se poderia dar o nome de religião natural, e tudo o que tende a diminuir e limitar o impulso dessa crença está, na ordem religiosa, em oposição à natureza. A essência do objeto religioso é o mistério, uma vez que a fé começa no desconhecido e abandona todo o resto às investigações da ciência. A dúvida é, aliás, mortal à fé; ela sente que a intervenção do ser divino é necessária para cobrir o abismo que separa o finito do infinito e afirma essa intervenção com todo o ímpeto de seu coração, com toda a docilidade de sua inteligência. Fora desse ato de fé, a necessidade religiosa não encontra satisfação e transmuta-se em ceticismo e em desespero. Mas, para que o ato de fé não seja um ato de loucura, a razão quer que ele seja dirigido e regulado. Pelo quê? Pela ciência? Vimos que nesse caso a ciência é impotente. Pela autoridade civil? É absurdo. Colocai guardas para vigiar as orações!
Resta, pois, a autoridade moral, única que pode constituir o dogma e estabelecer a disciplina do culto de comum acordo, dessa vez, com a autoridade civil, mas não conforme às suas ordens; é preciso, em uma palavra, que a fé dê à necessidade religiosa uma satisfação real, inteira, permanente, indubitável. Para tanto, é preciso a afirmação absoluta, invariável, de um dogma conservado por uma hierarquia autorizada. É preciso um culto eficaz que dê, com uma fé absoluta, uma realização substancial aos signos da crença.
A religião, assim compreendida, sendo a única que satisfaz a necessidade natural de religião, deve ser chamada de a única verdadeiramente natural. E chegamos por nós mesmos a esta dupla definição: a verdadeira religião natural é a religião revelada, é a religião hierárquica e tradicional, que se afirma absolutamente acima das discussões humanas pela comunhão da fé, da esperança e da caridade.
Ao representar a autoridade moral e ao realizá-la pela eficácia de seu ministério, o sacerdote é santo e infalível, enquanto a humanidade está sujeita ao vício e ao erro. O padre, ao agir como padre, é sempre o representante de Deus. Pouco importam as faltas ou mesmo os crimes do homem. Quando Alexandre VI fazia uma ordenação, não era o envenenador que impunha as mãos aos bispos, era o papa. Ora, o papa Alexandre VI nunca corrompeu nem falsificou os dogmas que o condenavam, os sacramentos que, em suas mãos, salvavam os outros e não o justificavam. Houve sempre e em todos os lugares homens mentirosos e criminosos; mas, na Igreja hierárquica e divinamente autorizada, nunca houve e nunca haverá nem maus papas nem maus padres. Mau e padre são palavras que não se ajustam.
Falamos de Alexandre VI e acreditamos que esse nome baste, sem que nos oponham outras lembranças justamente execradas. Grandes criminosos puderam duplamente desonrar-se, por causa do caráter sagrado de que estavam revestidos; mas não lhes foi dado desonrar esse caráter, que continua sempre radiante e esplêndido acima da humanidade que cai.
Dissemos que não há religião sem mistérios; acrescentemos que não há mistérios sem símbolos. Sendo o símbolo a fórmula ou a expressão do mistério, ele só exprime sua profundidade desconhecida por imagens paradoxais emprestadas do conhecido. Devendo caracterizar o que está acima da razão científica, a forma simbólica deve necessariamente encontrar-se fora dessa razão: daí, a palavra célebre e perfeitamente justa de um Pai da Igreja: Creio, porque é absurdo, credo quia absurdum.
Se a ciência afirmasse o que não sabe, destruiria a si própria. A ciência não pode, portanto, realizar a obra da fé, tanto quanto a fé não pode decidir em matéria de ciência. Uma afirmação de fé com que a ciência tenha a temeridade de ocupar-se será apenas um absurdo para ela, da mesma forma que uma afirmação de ciência que nos fosse dada como artigo de fé seria um absurdo na ordem religiosa. Crer e saber são dois termos que nunca se podem confundir.
Tampouco poderiam opor-se um ao outro num antagonismo qualquer. É impossível, com efeito, crer no contrário do que se sabe sem deixar, por isso mesmo, de o saber, e é igualmente impossível chegar a saber o contrário do que se crê sem deixar imediatamente de crer.
Negar ou mesmo contestar as decisões da fé, e isso em nome da ciência, é provar que não se compreende nem a ciência nem a fé: com efeito, o mistério de um Deus em três pessoas não é um problema de matemática; a encarnação do Verbo não é um fenômeno que pertença à medicina; a redenção escapa à crítica dos historiadores. A ciência é absolutamente impotente para decidir se se tem ou não razão de se acreditar ou não no dogma; ela pode constatar somente os resultados da crença e, se a fé torna evidentemente os homens melhores, se, aliás, a fé em si mesma, considerada como um fato fisiológico, é evidentemente uma necessidade e uma força, será preciso que a ciência o admita e tome o sábio partido de contar sempre com a fé.
Ousemos afirmar agora que existe um fato imenso, igualmente apreciável pela fé e pela ciência, um fato que torna Deus visível de algum modo sobre a terra, um fato incontestável e de alcance universal; esse fato é a manifestação, no mundo, a partir da época em que começa a revelação cristã, de um espírito desconhecido pelos antigos, de um espírito evidentemente divino, mais positivo que a ciência em suas obras, mais magnificamente ideal em suas aspirações que a mais elevada poesia, um espírito para o qual era preciso criar um nome novo, completamente inaudito nos santuários da Antigüidade. Assim, esse nome foi criado, e demonstraremos que esse nome, que essa palavra é, em religião, tanto para a ciência quanto para a fé, a expressão do absoluto; a palavra é caridade e o espírito de que falamos chama-se o espírito de caridade.
Diante da caridade, a fé prosterna-se e a ciência, vencida, inclina-se. Há evidentemente aqui alguma coisa maior do que a humanidade; a caridade prova por suas obras que não é um sonho. É mais forte do que todas as paixões; triunfa sobre o sofrimento e a morte; faz que Deus seja compreendido por todos os corações e parece já preencher a eternidade pela realização iniciada de suas legítimas esperanças.
Diante da caridade viva e atuante, que Proudhon ousará blasfemar? Que Voltaire ousará rir?
Empilhai, um sobre os outros, os sofismas de Diderot, os argumentos críticos de Strauss, as Ruínas de Volney - tão bem nomeadas, pois esse homem não poderia fazer senão ruínas -, as blasfêmias dessa revolução cuja voz extingue-se uma vez no sangue e outra no silêncio do desprezo; acrescentei a isso o que o futuro pode nos reservar de monstruosidades e devaneios; depois, que venha a mais humilde e a mais simples de todas as irmãs da caridade, o mundo abandonará todas as suas tolices, todos os seus crimes, todos os seus devaneios doentios, para inclinar-se diante dessa realidade sublime.
Caridade! palavra divina, palavra que, por si, leva à compreensão de Deus, palavra que contém uma revelação inteira! Espírito de caridade, aliança de duas palavras que são toda uma solução e todo um futuro! Que pergunta, com efeito, essas duas palavras não podem responder?
O que é Deus para nós senão o espírito de caridade? o que é a ortodoxia? não é o espírito de caridade que não discute sobre a fé a fim de não alterar a confiança dos pequenos e de não perturbar a paz da comunhão universal? Ora, o que é a Igreja universal senão a comunhão em espírito de caridade? É pelo espírito de caridade que a Igreja é infalível. O espírito de caridade é a virtude divina do sacerdócio.
Dever dos homens, garantia de seus direitos, prova de sua imortalidade, eternidade de felicidade iniciada para eles na terra, objetivo glorioso dado a sua existência, fim e meio de seus esforços, perfeição de sua moral individual, civil e religiosa, o espírito de caridade abrange tudo, aplica-se a tudo, tudo pode esperar, tudo empreender e tudo cumprir.
Era pelo espírito de caridade que Jesus, expirando na cruz, dava a sua mãe um filho na pessoa de São João e, triunfando sobre as angústias do mais horrível suplício, soltava um grito de libertação e de salvação ao dizer: "Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito."
Foi pelo espírito de caridade que doze artesãos da Galiléia conquistaram o mundo; amaram a verdade mais do que suas vidas; e foram sozinhos dizê-la aos povos e aos reis; provados pela tortura, foram considerados fiéis. Mostraram às multidões a imortalidade viva em sua morte e regaram a terra com um sangue cujo calor não podia extinguir-se, pois neles ardia a chama da caridade.
Foi pela caridade que os apóstolos constituíram seus símbolos. Disseram que acreditar juntos é melhor do que duvidar separadamente; constituíram a hierarquia sobre a obediência, tornada tão nobre e tão grande pelo espírito de caridade, que servir assim é reinar; formularam a fé de todos e a esperança de todos e puseram esse símbolo sob a guarda da caridade de todos. Ai do egoísta que se apropria de uma só palavra dessa herança do Verbo, pois é um deicida que quer desmembrar o corpo do Senhor.
O símbolo é a arca sagrada da caridade, quem quer que o toque é atingido pela morte eterna, pois a caridade retira-se dele. É a herança sagrada de nossos filhos, é o preço do sangue de nossos pais.
Era pela caridade que os mártires se consolavam nas prisões dos césares e atraíam para sua crença seus guardas e mesmo seus carrascos.
Era em nome da caridade que São Martinho de Tours protestava contra o suplício dos priscilianos e separava-se da comunhão do tirano que queria impor a fé pela espada.
Foi pela caridade que tantos santos consolaram o mundo dos crimes cometidos em nome da própria religião e dos escândalos do santuário profanado.
Foi pela caridade que São Vicente de Paulo e Fenelon impuseram-se à admiração dos séculos, mesmo aos mais ímpios, e fizeram calar de antemão o riso dos filhos de Voltaire diante da seriedade imponente de suas virtudes.
Foi pela caridade, enfim, que a loucura da cruz tornou-se a sabedoria das nações, porque todos os nobres corações compreenderam que é mais elevado acreditar ao lado dos que amam e devotam-se do que duvidar ao lado dos egoístas e dos escravos do prazer!

ARTIGO I
Solução do primeiro problema

O VERDADEIRO DEUS

Deus só pode ser definido pela fé; a ciência não pode negar nem afirmar que ele existe.
Deus é o objeto absoluto da fé humana. No infinito, é a inteligência suprema e criadora da ordem. No mundo, é o espírito de caridade.
Será o Ser universal uma máquina fatal que tritura eternamente as inteligências ocasionais ou uma inteligência providencial que dirige as forças para a melhoria dos espíritos?
A primeira hipótese repugna à razão, é desesperadora e imoral.
Ciência e razão devem, portanto, inclinar-se diante da segunda.
Sim, Proudhon, Deus é uma hipótese, mas é uma hipótese tão necessária que, sem ela, todos os teoremas tornam-se absurdos ou duvidosos.
Para os iniciados da cabala, Deus é a unidade absoluta que cria e anima os números.
A unidade da inteligência humana demonstra a unidade de Deus.
A chave dos números é a dos símbolos, porque os sintomas são as figuras analógicas da harmonia que vem dos números.
As matemáticas não saberiam demonstrar a fatalidade cega, uma vez que são a expressão da exatidão que é o caráter da mais suprema razão.
A unidade demonstra a analogia dos contrários; é o princípio, o equilíbrio e o fim dos números. O ato de fé parte da unidade e retorna à unidade.

Vamos esboçar uma explicação da Bíblia pelos números, porque a Bíblia é o livro das imagens de Deus.
Perguntaremos aos números a razão dos dogmas da religião eterna, e os números responderão sempre, reunindo-se na síntese da unidade.

As poucas páginas que se seguem são simples apanhados das hipóteses cabalísticas; são externas à fé e as indicamos somente como pesquisas curiosas. Não nos cabe inovar em matéria de dogma, e nossas asserções como iniciado estão inteiramente subordinadas à nossa submissão como cristão.


Esboço da teologia profética dos números

I. A UNIDADE

A unidade é o princípio e a síntese dos números, é a idéia de Deus e do homem, é a aliança da razão e da fé.
A fé não pode ser oposta à razão, é exigida pelo amor, é idêntica à esperança. Amar é acreditar e esperar, e esse triplo ímpeto da alma é chamado virtude, porque é preciso coragem para realizá-lo. Mas haveria coragem nisso se a dúvida não fosse possível? Ora, poder duvidar é duvidar. A dúvida é a força equilibrante da fé e tem todo o seu mérito.
A própria natureza nos induz a crer, mas as fórmulas de fé são constatações sociais das tendências da fé numa época dada. É o que dá a infalibilidade à Igreja, infalibilidade de evidência e de fato.
Deus é necessariamente o mais desconhecido de todos os seres, uma vez que só é definido em sentido inverso de nossas experiências, é tudo o que não somos, é o infinito oposto ao finito por hipótese contraditória.
A fé e, por conseguinte, a esperança e o amor são tão livres que o homem, longe de impô-los aos outros, não os impõe a si mesmo.
São graças, diz a religião. Ora, será concebível que se exija a graça, isto é, que se queira forçar os homens ao que vem livre e gratuitamente do céu? É preciso desejar-lhes isso.
Raciocinar sobre a fé é disparatar, uma vez que o objeto da fé é externo à razão. Se me perguntam: "Existe um Deus?", eu respondo: "Acredito que sim." "Mas o senhor tem certeza disso?" "Se tivesse certeza, não acreditaria nele, eu o saberia."
Formular a fé é admitir termos da hipótese comum.
A fé começa onde a ciência acaba. Ampliar a ciência é aparentemente suprimir a fé, e, na realidade, é ampliar igualmente seu domínio, pois é ampliar sua base.
Só se pode adivinhar o desconhecido por suas proporções supostas ou passíveis de serem supostas do conhecido.
A analogia era o dogma único dos antigos magos. Dogma verdadeiramente mediador, pois é metade científico, metade hipotético, metade razão e metade poesia. Esse dogma foi e será sempre o gerador de todos os outros.
O que é o Homem-Deus? É o que realiza na vida mais humana o ideal mais divino.
A fé é uma adivinhação da inteligência e do amor dirigidos pelos índices da natureza e da razão.
Faz parte, portanto, da essência das coisas de fé serem inacessíveis à ciência, duvidosas para a filosofia e indefinidas para a certeza.
A fé é uma realização hipotética dos fins últimos da esperança. É a adesão ao signo visível das coisas que não se vê.

Sperandarum substantia rerum
Argumentum non apparentium

Para afirmar sem disparate que Deus existe ou não, é preciso partir de uma definição sensata ou insensata de Deus. Ora, essa definição para ser sensata deve ser hipotética, analógica e negativa do finito conhecido. Pode-se negar um Deus qualquer, mas o Deus absoluto não se nega tanto quanto não se prova; é sensatamente suposto e nele se acredita.
Bem-aventurados os que têm o coração puro, pois verão a Deus, disse o Mestre; ver com o coração é acreditar e, se essa fé se relaciona ao verdadeiro bem, não pode ser enganada contanto que não procure definir muito seguindo as induções arriscadas da ignorância pessoal. Nossos julgamentos, em matéria de fé, aplicam-se a nós mesmos, será para nós como tivermos acreditado. Isto é, nós próprios nos fazemos à semelhança de nosso ideal.
Quem faz os deuses torna-se semelhante a eles, assim como todos aqueles que lhes dão sua confiança.
O ideal divino do velho mundo fez a civilização que acabou, e não se deve desesperar ao ver o deus de nossos bárbaros pais tornar-se o diabo de nossos filhos mais esclarecidos. Fazem-se diabos com deuses de refugo, e Satã só é assim tão incoerente e tão disforme porque é feito com todos os retalhos das antigas teogonias. É a esfinge sem palavra, é o enigma sem solução, é o mistério sem verdade, é o absoluto sem realidade e sem luz.
O homem é o filho de Deus, porque Deus, manifestado, é chamado o filho do homem.
Foi depois de ter feito Deus em sua inteligência e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: Faça-se a luz!
O homem é a forma do pensamento divino, e Deus é a síntese idealizada do pensamento humano.
Assim, o Verbo de Deus é o que revela o homem, e o Verbo do homem é o que revela Deus.
O homem é o Deus do mundo, e Deus é o homem do céu.
Antes de dizer: Deus quer, o homem quis.
Para compreender e honrar Deus todo-poderoso, é preciso que o homem seja livre.
Obedecendo e abstendo-se por temor ao fruto da ciência, tendo sido inocente e estúpido como o cordeiro, curioso e rebelde como o anjo de luz, o homem cortou o cordão de sua ingenuidade e, caindo livre sobre a terra, arrastou Deus em sua queda.
E é por isso que, do fundo dessa queda sublime, revela-se glorioso com o grande condenado do calvário e entra com ele no reino do céu.
Pois o reino do céu pertence à inteligência e ao amor, ambos filhos da liberdade!
Deus mostrou ao homem a liberdade como uma amante, e, para pôr seu coração à prova, fez passar, entre ela e ele, o fantasma da morte.
O homem amou e sentiu-se Deus; deu por ela isto que Deus acabava de nos dar: a esperança eterna.
Lançou-se em direção de sua noiva através da sombra da morte e o espectro desapareceu.
O homem possuía a liberdade; tinha abraçado a vida.
Expia agora tua glória, ó Prometeu!
Teu coração devorado sem cessar não pode morrer; é o teu abutre e Júpiter que morrerão.
Um dia despertaremos enfim dos sonhos penosos de uma vida atormentada, a obra de nossa provação terá acabado, seremos fortes o bastante contra a dor para sermos imortais.
Então viveremos em Deus, numa vida mais abundante, e desceremos às suas obras com a luz de seu pensamento, seremos levados ao infinito pelo sopro de seu amor.
Seremos, sem dúvida, os primogênitos de uma nova raça; anjos do porvir.
Mensageiros celestes, vogaremos na imensidão e as estrelas serão nossas brancas naus.
Transformar-nos-emos em doces visões para acalmar os olhos dos que choram; colheremos lírios resplandecentes em prados desconhecidos e espargiremos seu orvalho sobre a terra.
Tocaremos a pálpebra da criança que dorme e alegraremos docemente o coração de sua mãe com o espetáculo da beleza de seu filho bem-amado.


II. O BINÁRIO

O binário é mais particularmente o número da mulher, esposa do homem e mãe da sociedade.
O homem é o amor na inteligência, a mulher é a inteligência no amor.
A mulher é o sorriso do criador contente de si próprio, e foi depois de tê-la feito que ele descansou, diz a parábola celeste.
A mulher está antes do homem, porque é mãe e tudo lhe é perdoado de antemão porque dá à luz com dor.
A mulher foi quem primeiro se iniciou na imortalidade pela morte; o homem, então, a viu tão bela e a compreendeu tão generosa, que não quis sobreviver a ela, e amou-a mais do que sua vida, mais do que sua felicidade eterna.
Feliz proscrito! já que lhe foi dada como companheira de seu exílio.
Mas os filhos de Caim revoltaram-se contra a mãe de Abel e escravizaram sua mãe.
A beleza da mulher tornou-se uma presa para a brutalidade dos homens sem amor.
Então, a mulher fechou seu coração como um santuário desconhecido e disse aos homens indignos dela: "Sou virgem, mas quero ser mãe, e meu filho ensinar-vos-á a me amar."
Ó Eva! sê saudada e adorada em tua queda!
Ó Maria! sê abençoada e adorada em tuas dores e em tua glória!
Santa crucificada que sobrevivia a teu Deus para enterrar teu filho, sê para nós a última palavra da revelação divina!
Moisés chamava Deus de Senhor, Jesus chamava-o de meu Pai, e nós, pensando em ti, diremos à Providência: "Sois nossa mãe!"
Filhos da mulher, perdoemos a mulher decaída.
Filhos da mulher, adoremos a mulher regenerada.
Filhos da mulher, que dormimos em seu seio, que fomos embalados em seus braços e consolados por seus carinhos, amemo-la e amemo-nos entre nós!


III. O TERNÁRIO

O ternário é o número da criação.
Deus criou a si próprio eternamente e o infinito que ele preenche com suas obras é uma criação incessante e infinita.
O amor supremo contempla-se na beleza como em um espelho, e experimenta todas as formas como enfeites, pois é o noivo da vida.
O homem também afirma e cria a si próprio: enfeita-se com suas conquistas, ilumina-se com suas concepções, reveste-se com suas obras como que com vestes nupciais.
A grande semana da criação foi imitada pelo gênio humano divinizando as formas da natureza.
Cada dia forneceu uma revelação nova, cada rei progressivo do mundo foi por um dia a imagem e a encarnação de Deus! Sonho sublime que explica os mistérios da Índia e justifica todos os simbolismos!
A elevada concepção do homem-Deus corresponde à criação de Adão, e o cristianismo, à semelhança dos primeiros dias do homem típico no paraíso terrestre, foi apenas uma aspiração e uma viuvez.
Esperamos o culto da esposa e da mãe, aspiramos às núpcias da nova aliança.
Então os pobres, os cegos, todos os proscritos do velho mundo serão convidados para o festim e receberão um traje nupcial; e olhar-se-ão uns aos outros com uma grande doçura e um inefável sorriso, porque terão chorado muito tempo.


IV. O QUATERNÁRIO

O quaternário é o número da força. É o ternário completado por seu produto, é a unidade rebelada reconciliada à trindade soberana.
No ardor primeiro da vida, o homem, tendo esquecido sua mãe, compreendeu Deus apenas como um pai inflexível e cioso.
O sombrio Saturno, armado com sua foice parricida, põe-se a devorar seus filhos.
Júpiter teve cenhos que abalaram o Olimpo, e Jeová, trovões que ensurdeceram as solidões do Sinai.
E, no entanto, o pai dos homens, embriagado às vezes como Noé, deixava o mundo perceber os mistérios da vida.
Psiquê, divinizada por suas aflições, tornava-se esposa do Amor; Adônis ressuscitado reencontrava Vênus no Olimpo; Jó, vitorioso ao mal, recuperava mais do que tinha perdido.
A lei é uma prova de coragem. Amar a vida mais do que se teme as ameaças da morte é merecer a vida.
Os eleitos são os que ousam; ai dos tímidos!
Assim, os escravos da lei que se fazem os tiranos das consciências, e os servidores do temor, e os avaros de esperança, e os fariseus de todas as sinagogas e de todas as igrejas, estes são os réprobos e os malditos do Pai!
Cristo não foi excomungado e crucificado pela sinagoga?
Savonarola não foi queimado por ordem de um pontífice da religião cristã?
Os fariseus não são hoje o que eram no tempo de Caifás?
Se alguém lhes fala em nome da inteligência e do amor, escutá-lo-ão?
Foi arrancando os filhos da liberdade à tirania dos Faraós que Moisés inaugurou o reino do Pai.
Foi quebrando o jugo insuportável do farisaísmo mosaico que Jesus convidou todos os homens à fraternidade do filho único de Deus.
Quando caírem os últimos ídolos, quando se quebrarem as últimas correntes materiais das consciências, quando os últimos matadores de profetas, quando os últimos sufocadores do Verbo forem confundidos, será o reino do Espírito Santo.
Glória, pois, ao Pai, que enterrou o exército do Faraó no mar Vermelho!
Glória ao Filho que rasgou o véu do templo e cuja cruz extremamente pesada posta sobre a coroa dos Césares quebrou contra a terra a fronte dos Césares!
Glória ao Espírito Santo que deve varrer da terra com seu sopro terrível todos os ladrões e todos os carrascos para dar lugar ao banquete dos filhos de Deus!
Glória ao Espírito Santo que prometeu ao anjo da liberdade a conquista da terra e do céu.
O anjo da liberdade nasceu antes da aurora do primeiro dia, antes mesmo do despertar da inteligência, e Deus o denominou estrela da manhã.
Ó Lúcifer, tu te desligaste voluntária e desdenhosamente do céu onde o sol te inundava com sua claridade, para sulcar com teus próprios raios os campos agrestes da noite.
Brilhas quando o sol se põe e teu olhar resplandecente precede o nascer do dia.
Cais para de novo levantar; experimentas a morte para melhor conhecer a vida.
És, para as glórias antigas do mundo, a estrela da noite; para a verdade renascente, a bela estrela da manhã!
A liberdade não é a licença: a licença é a tirania.
A liberdade é a guardiã do dever, porque ela reivindica o direito.
Lúcifer, cujas idades das trevas fizeram o gênio do mal, será verdadeiramente o anjo da luz quando, tendo conquistado a liberdade ao preço da reprovação, fizer uso dela para se submeter à ordem eterna, inaugurando assim as glórias da obediência voluntária.
O direito é apenas a raiz do dever, é preciso possuir para dar.
Ora, eis como uma elevada poesia explica a queda dos anjos.
Deus tinha dado aos espíritos a luz e a vida, depois lhes disse: Amai.
- O que é amar?, responderam os espíritos.
- Amar é dar-se aos outros, respondeu Deus. - Os que amarem sofrerão, mas serão amados.
- Temos o direito de não dar nada, e nada queremos sofrer, disseram os espíritos inimigos do amor.
- Estais em vosso direito, respondeu Deus -, e separemo-nos. Eu e os meus queremos sofrer e morrer, mesmo para amar. É nosso dever!
O anjo caído é pois aquele que desde o princípio recusou amar; não ama, e é todo o seu suplício; não dá, e é toda a sua miséria; não sofre, e é seu nada; não morre, e é seu exílio.
O anjo caído não é Lúcifer, o porta-luz, é Satã, o caluniador do amor.
Ser rico é dar; não dar nada é ser pobre; viver é amar, não amar nada é estar morto; ser feliz é devotar-se; existir somente para si é reprovar a si próprio, é seqüestrar-se no inferno.
O céu é a harmonia dos sentimentos gerais; o inferno é o conflito dos instintos lassos.
O homem do direito é Caim, que matou Abel por inveja; o homem do dever é Abel, que morre para Caim por amor.
E tal foi a missão do Cristo, o grande Abel da humanidade.
Não é pelo direito que devemos ousar em tudo, é pelo dever.
O dever é a expansão e a fruição da liberdade; o direito isolado é o pai da servidão.
O dever é a obrigação, o direito é o egoísmo.
O dever é o sacrifício, o direito é a rapina e o roubo.
O dever é o amor, o direito é o ódio.
O dever é a vida infinita, o direito é a morte eterna.
Se é preciso combater pela conquista do direito, é somente para adquirir a potência do dever: e por que seríamos livres se não fosse para amar, devotarmo-nos e, assim, assemelharmo-nos a Deus?
Se é preciso infringir a lei, é quando ela submete o amor ao medo.
Aquele que quiser salvar sua alma perdê-la-á, diz o livro santo, e aquele que consentir em perdê-la salvá-la-á.
O dever é amar: pereça todo aquele que cria obstáculos ao amor! Silêncio aos oráculos do ódio! Aniquilamento aos falsos deuses do egoísmo e do medo! Vergonha aos escravos avaros de amor!
Deus ama os filhos pródigos!

V. O QUINÁRIO

O quinário é o número religioso, pois é o número de Deus reunido ao da mulher.
A fé não é a credulidade estúpida da ignorância maravilhada.
A fé é a consciência e a confiança do amor.
A fé é o grito da razão que persiste em negar o absurdo, mesmo diante do desconhecido.
A fé é um sentimento necessário à alma como a respiração à vida: é a dignidade do coração, é a realidade do entusiasmo.
A fé não consiste na afirmação deste ou daquele símbolo, mas na aspiração verdadeira e constante às verdades veladas por todos os simbolismos.
Um homem rejeita uma idéia indigna da divindade, quebra suas falsas imagens, revolta-se contra odiosas idolatrias, e dizeis que é um ateu?
Os perseguidores da Roma decaída também chamavam os primeiros cristãos de ateus, porque não adoravam os ídolos de Calígula ou de Nero.
Negar toda uma religião e mesmo todas as religiões de preferência a aderir a fórmulas que a consciência reprova é um corajoso e sublime ato de fé.
Todo homem que sofre por suas convicções é um mártir da fé.
Talvez se explique mal, mas prefere a justiça e a verdade a qualquer coisa; não o condeneis sem entendê-lo.
Acreditar na verdade suprema não é defini-la, e declarar que nela se crê é reconhecer ignorá-la.
O apóstolo São Paulo limita toda fé a estas duas coisas: acreditar que Deus existe e que ele recompensa aqueles que o procuram.
A fé é maior que as religiões, porque precisa menos dos artigos da crença.
Um dogma qualquer constitui apenas uma crença e pertence a uma comunhão especial; a fé é um sentimento comum a toda a humanidade.
Quanto mais se discute para precisar, menos se acredita; um dogma a mais é uma crença de que uma seita se apropria e eleva assim, de alguma maneira, à fé universal.
Deixemos os sectários fazerem e refazerem seus dogmas, deixemos os supersticiosos detalharem e formularem suas superstições, deixemos os mortos enterrarem seus mortos, como dizia o Mestre, e acreditemos na verdade indizível, no absoluto que a razão admite sem compreender, no que pressentimos sem saber.
Acreditemos na razão suprema.
Acreditemos no amor infinito e tenhamos piedade das estupidezes da escola e das barbáries da falsa religião.
Ó homem! dize-me o que esperas, e eu dir-te-ei o que vales.
Rezas, jejuas, velas e crês que escaparás assim sozinho, ou quase sozinho, à perda imensa dos homens devorados por um Deus cioso. És um hipócrita e um ímpio.
Fazes da vida uma orgia e esperas o nada como sono, és um doente ou um insano.
Estás pronto a sofrer como os outros e pelos outros e esperas a salvação de todos, és um sábio e um justo.
Esperar não é ter medo.
Ter medo de Deus! Que blasfêmia!
O ato de esperança é a oração.
A oração é o derramar-se da alma na sabedoria e no amor eternos.
É o olhar do espírito para a verdade e o suspiro do coração para a beleza suprema.
É o sorriso da criança para a mãe.
É o murmúrio do bem-amado que se debruça para os beijos de sua bem-amada.
É a doce felicidade da alma amante que se dilata num oceano de amor.
É a tristeza da esposa na ausência do novel esposo.
É o suspiro do viajante que pensa em sua pátria.
É o pensamento do pobre que trabalha para alimentar a mulher e os filhos.
Oremos em silêncio e ergamos em direção de nosso Pai desconhecido um olhar de confiança e de amor; aceitemos com fé e resignação a parte que nos cabe nas penas da vida, e todas as batidas de nossos corações serão palavras de oração.
Necessitamos acaso informar a Deus que coisas lhe pedimos, já não sabe ele o que nos é necessário?
Se choramos, apresentemos-lhe as nossas lágrimas; se nos regozijamos, dirijamos-lhe o nosso sorriso; se ele nos atinge, baixemos a cabeça; se nos acaricia, adormeçamos em seus braços!
Nossa oração será perfeita, quando orarmos sem sequer saber que oramos.
A oração não é um ruído que fere os ouvidos, é um silêncio que penetra no coração.
E doces lágrimas vêm umedecer os olhos, e suspiros escapam como a fumaça dos incensos.
Fica-se tomado por um inefável amor a tudo o que é beleza, verdade, justiça; palpita-se de uma nova vida e não se teme mais morrer. Pois a oração é a vida eterna da inteligência e do amor; é a vida de Deus na terra.
Amai-vos uns aos outros, eis a lei e os profetas! Meditai e compreendei essa palavra.
E, quando tiverdes compreendido, não leiais mais, não procures mais, não duvideis mais, amai!
Não mais sejais sábios, não mais sejais eruditos, amai! Essa é a doutrina da verdadeira religião; religião quer dizer caridade, e o próprio Deus não é senão amor.
Eu já vos disse: amar é dar.
O ímpio é aquele que absorve os outros.
O homem pio é aquele que se expande na humanidade.
Se o coração do homem concentra em si próprio o fogo com o qual Deus o anima, é um inferno que devora tudo e que só se preenche de cinzas; se ele o faz resplandecer fora, torna-se um doce sol de amor.
O homem doa-se à família; a família doa-se à pátria; a pátria, à humanidade.
O egoísmo do homem merece o isolamento e o desespero, o egoísmo da família merece a ruína e o exílio, o egoísmo da pátria merece a guerra e a invasão.
O homem que se isola de todo amor humano ao dizer: Eu servirei a Deus, este se engana. Pois, diz o apóstolo São João, se ele não ama ao próximo que vê, como amará a Deus que não vê?
É preciso dar a Deus o que é de Deus, mas não se deve recusar mesmo a César o que é de César.
Deus é quem dá a vida, César é quem pode dar a morte.
É preciso amar a Deus e não temer a César, pois está dito no livro sagrado: Quem com ferro fere com ferro perecerá.
Quereis ser bons, sede justos; quereis ser justos, sede livres!
Os vícios que deixam o homem semelhante à besta são os primeiros inimigos da sua liberdade.
Olhai o bêbado e dizei-me se essa besta imunda pode ser livre!
O avaro maldiz a vida de seu pai e, como o corvo, tem fome de cadáveres.
O ambicioso quer ruínas, é um invejoso em delírio; o devasso escarrou no seio da mãe e encheu de abortos as entranhas da morte.
Todos esses corações sem amor são punidos pelo mais cruel dos suplícios: o ódio.
Pois, saibamo-lo bem, a expiação está contida no pecado.
O homem que faz o mal é como um vaso de barro defeituoso, quebrar-se-á, a fatalidade o quer.
Com os escombros do mundo, Deus refaz estrelas; com os escombros da alma, refaz anjos.


VI. O SENÁRIO

O senário é o número da iniciação pela prova; é o número do equilíbrio, é o hieróglifo da ciência do bem e do mal.
Quem procura a origem do mal procura o que não é.
O mal é o apelativo da desordem do bem, é a tentativa infrutífera de uma vontade inábil.
Cada um possui o fruto de suas obras, e a pobreza é somente o aguilhão do trabalho.
Para o rebanho dos homens, o sofrimento é como o cão pastor que morde a lã das ovelhas para recolocá-las no caminho.
É por causa da sombra que podemos ver a luz; é por causa do frio que sentimos o calor; é por causa da dor que somos sensíveis ao prazer.
O mal é, portanto, para nós, a ocasião e o começo do bem.
Mas, nos sonhos de nossa inteligência imperfeita, acusamos o trabalho providencial, por não o compreender.
Assemelhamo-nos ao ignorante que julga o quadro no começo do esboço e diz, quando a cabeça está feita: "Então esta figura não tem corpo."
A natureza continua calma e realiza sua obra.
A relha não é cruel quando rasga o seio da terra, e as grandes revoluções do mundo são a lavoura de Deus.
Tudo tem seu tempo: aos povos ferozes, senhores bárbaros; ao gado, açougueiros; aos homens, juizes e pais.
Se o tempo pudesse transformar os carneiros em leões, eles comeriam os açougueiros e os pastores.
Os carneiros nunca se transformam porque não se instruem, mas os povos instruem-se.
Pastores e açougueiros dos povos, tendes razão, portanto, em ver como inimigos aqueles que falam a vosso rebanho.
Rebanhos que conheceis ainda apenas vossos pastores e que quereis ignorar seu comércio com os açougueiros, sois desculpáveis por apedrejar aqueles que vos humilham e que vos inquietam ao falarem de vossos direitos.
Ó Cristo! Os grandes condenam-te, teus discípulos renegam-te, o povo amaldiçoa-te e aclama teu suplício, somente tua mãe chora, Deus abandona-te!

Eli! Eli! Lamma Sabachtani!

VII. O SETENÁRIO

O setenário é o grande número bíblico. É a chave da criação de Moisés e o símbolo de toda a religião. Moisés deixou cinco livros, e a lei resume-se em dois testamentos.
A Bíblia não é uma história, é uma coletânea de poemas, é um livro de alegorias e imagens.
Adão e Eva são somente tipos primitivos da humanidade; a serpente que tenta é o tempo que põe à prova; a árvore da ciência é o direito; a expiação pelo trabalho é o dever.
Caim e Abel representam a carne e o espírito, a força e a inteligência, a violência e a harmonia.
Os gigantes são os antigos usurpadores da terra; o dilúvio foi um imensa revolução.
A arca é a tradição conservada numa família: a religião, nessa época, torna-se um mistério e a propriedade de uma raça. Caim é maldito por ser seu revelador.
Nemrod e Babel são duas alegorias primitivas do désposta único e do império universal sempre sonhado desde então; empreendido sucessivamente pelos assírios, os medas, os persas, Alexandre, Roma, Napoleão, os sucessores de Pedro, o Grande, e sempre inacabado por causa da dispersão de interesses, figurada pela confusão das línguas.
O império universal não deveria realizar-se pela força, mas pela inteligência e pelo amor. Por isso, a Nemrod, homem do direito selvagem, a Bíblia opõe Abraão, homem do dever, que se exila para buscar a liberdade e a luta numa terra estrangeira de que se apodera pelo pensamento.
Tem uma mulher estéril, é seu pensamento, e uma escrava fecunda, é sua força; mas, quando a força produz seu fruto, o pensamento torna-se fecundo, e o filho da inteligência exila o filho da força. O homem de inteligência é submetido a duras provas; deve confirmar suas conquistas pelo sacrifício. Deus quer que ele imole seu filho, isto é, a dúvida deve pôr à prova o dogma e o homem intelectual deve estar pronto a tudo sacrificar diante da razão suprema. Deus, então, intervém: a razão universal cede aos esforços do trabalho, mostra-se à ciência e apenas o lado material do dogma é imolado. É o que representa o carneiro preso pelos chifres entre os arbustos. A história de Abraão é pois um símbolo à moda antiga e contém uma elevada revelação dos destinos da alma humana. Tomada ao pé da letra, é um relato absurdo e revoltante. Santo Agostinho não tomava ao pé da letra o Asno de Ouro de Apuleu! Pobres grandes homens!
A história de Isaac é uma outra lenda. Rebeca é o tipo de mulher oriental, laboriosa, hospitaleira, parcial em suas afeições, astuta e ardilosa em suas manobras. Jacó e Esaú são ainda os dois tipos reproduzidos de Caim e Abel; mas aqui Abel se vinga; a inteligência emancipada triunfa pela astúcia. Todo o gênio israelita está no caráter de Jacó, o paciente laborioso suplantador que cede à cólera de Esaú, torna-se rico e compra o perdão de seu irmão. Quando os antigos queriam filosofar, contavam, nunca se deve esquecer.
A história ou lenda de José contém em germe todo o gênio do Evangelho, e Cristo, desconhecido por seu povo, teve de chorar mais de uma vez ao reler esta cena em que o governador do Egito lança-se ao pescoço de Benjamim dando um grito e dizendo: "Eu sou José!"
Israel torna-se o povo de Deus, isto é, o conservador da idéia e o depositário do Verbo. Essa idéia é a da independência humana e a da realeza pelo trabalho, mas é ocultada com cuidado, como um germe precioso. Um signo doloroso e indelével é imprimido nos iniciados, toda imagem da verdade é proibida, e os filhos de Israel velam, segurando o sabre em torno da unidade do tabernáculo. Hermor e Siquém querem introduzir-se pela força na família sagrada e perecem com seu povo em conseqüência de uma falsa iniciação. Para dominar os povos, é preciso que o santuário já esteja cercado de sacrifícios e terror.
A servidão dos filhos de Jacó prepara sua libertação: eles têm uma idéia, e não se acorrenta uma idéia; têm uma religião, e não se violenta uma religião; são por fim um povo, e não se acorrenta um verdadeiro povo. A perseguição suscita vingadores, a idéia encarna-se num homem, Moisés levanta, o Faraó cai e a coluna de nuvens e chamas que precede um povo livre avança majestosamente no deserto.
O Cristo é o pai e o rei pela inteligência e pelo amor.
Recebeu a unção santa, a unção do gênio, a unção da fé, a unção da virtude que é a força.
Ele vem quando o sacerdote está esgotado, quando os velhos símbolos não têm mais virtudes, quando a pátria da inteligência está extinta.
Vem para fazer Israel voltar à vida e, se não puder galvanizar Israel, morto pelos fariseus, ressuscitará o mundo abandonado ao culto morto dos ídolos.
Cristo é o direito do dever!
O homem tem o direito de cumprir o seu dever e não tem outro.
Homem, tens o direito de resistir até a morte a quem quer que te impeça de cumprir o teu dever!
Mãe! teu filho afoga-se; um homem impede-te de socorrê-lo; feres esse homem e corres a salvar teu filho!... Quem ousará condenar-te?...
Cristo veio para opor o direito do dever ao dever do direito.
O direito para os judeus era a doutrina dos fariseus. E, com efeito, pareciam ter adquirido o privilégio de dogmatizar; não eram eles os legítimos herdeiros da sinagoga?
Tinham o direito de condenar o Salvador, e o Salvador sabia que seu direito era o de resistir-lhes.
O Cristo é a protestação viva.
Mas protestação de quê? Da carne contra a inteligência? Não!
Do direito contra o dever? Não!
Da atração física contra a atração moral? Não! não!
Da imaginação contra a razão universal? Da loucura contra a sabedoria? Não, mil vezes não, ainda uma vez!
O Cristo é o dever real que protesta eternamente contra o direito imaginário.
É a emancipação do espírito que quebra a servidão da carne.
É a devoção revoltada contra o egoísmo.
É a modéstia sublime que responde ao orgulho: Eu não te obedecerei!
O Cristo é viúvo, o Cristo é só, o Cristo é triste: por quê? É que a mulher prostituiu-se.
É que a sociedade é acusada de roubo.
É que a felicidade egoísta é ímpia.
Cristo é julgado, condenado, executado, e nós o adoramos!
Isso se passou num mundo talvez tão sério quanto o nosso.
Juizes do mundo em que vivemos, sede atentos e pensai naquele que julgará vossos julgamentos.
Mas, antes de morrer, o Salvador legou a seus filhos o símbolo imortal da salvação: a comunhão.
Comunhão! União comum! Última palavra do Salvador do mundo.
O pão e o vinho repartidos entre todos, disse ele, é minha carne e meu sangue!
Ele deu sua carne aos carrascos, seu sangue à terra que quis bebê-lo: e por quê?
Para que todos repartam o pão da inteligência e o vinho do amor. Ó signo da união dos homens! Ó mesa comum! Ó banquete da fraternidade e da igualdade! quando enfim serás melhor compreendido?
Mártires da humanidade, vós que destes a vida para que todos tivessem o pão que alimenta e o vinho que fortifica, também não dizeis ao impor a mão sobre esses símbolos da comunhão universal: Isso é nossa carne e nosso sangue!
E vós, homens do mundo inteiro, vós a quem o Mestre chama irmãos: oh, não sentis que o pão universal é Deus!
Devedores do crucificado.
Vós todos que não estais prontos para dar à humanidade vosso sangue, vossa carne e vossa vida não sois dignos da comunhão do Filho de Deus! Não o façais derramar seu sangue sobre vós, pois faria nódoas sobre vossa fronte!
Não aproximeis vossos lábios do coração de Deus, ele sentiria vossa mordedura.
Não bebais o sangue do Cristo, queimaria vossas entranhas; já é suficiente que ele o tenha derramado inutilmente por vós!


VIII. O NÚMERO OITO

O octonário é o número da reação e da justiça equilibrante.
Toda ação produz uma reação.
É a lei universal do mundo.
O cristianismo devia produzir o anticristianismo.
O anticristo é a sombra, é o contraste e a prova do Cristo.
O anticristo já se produzia na Igreja na época dos apóstolos: Aquele que resiste agora resiste até a morte, dizia São Paulo, e o filho da iniqüidade manifestar-se-á.
Os protestantes disseram: O anticristo é o papa.
O papa respondeu: Todo herege é um anticristo.
O anticristo não é mais o papa do que Lutero: o anticristo é o espírito oposto ao do Cristo.
É a usurpação do direito pelo direito; é o orgulho da dominação e o despotismo do pensamento.
É o egoísmo pretensamente religioso dos protestantes da mesmíssima maneira que a ignorância crédula e imperiosa dos maus católicos.
O anticristo é o que divide os homens ao invés de os unir; é o espírito de disputa, é a teimosia dos doutores e dos sectários, o desejo ímpio de se apropriar da verdade e dela excluir os outros, o de forçar todo o mundo a sofrer a estreiteza de nossos julgamentos.
O anticristo é o pai que amaldiçoa ao invés de abençoar, que afasta ao invés de aproximar, que escandaliza ao invés de edificar, que condena ao invés de salvar.
É o fanatismo odioso que desencoraja a boa vontade.
É o culto da morte, da tristeza e da fealdade.
Que futuro daremos a nosso filho? disseram os pais insensatos; ele é fraco de espírito e de corpo e seu coração não dá ainda sinal de vida: faremos dele um padre, a fim de que viva do altar. E não compreenderam que o altar não é uma manjedoura para os animais preguiçosos.
Por isso, olhai os padres indignos, contemplei esses pretensos servidores do altar. O que é que dizem a vossos corações esses homens gordos ou cadavéricos, de olhos inexpressivos, de lábios cerrados ou escancarados?
Escutai-os falarem: o que vos ensina esse ruído desagradável e monótono?
Rezam como dormem e sacrificam como comem.
São máquinas de pão, de carne, de vinho e de palavras vazias de sentido.
E, quando se regozijam, como ostras ao sol, por estarem sem pensamento e sem amor, diz-se que têm paz de espírito.
Têm a paz da besta e, para o homem, a do túmulo é melhor; são os padres da tolice e da ignorância, são os ministros do anticristo.
O verdadeiro padre do Cristo é um homem que vive, que sofre, que ama e que combate pela justiça. Não briga, não reprova, difunde o perdão, a inteligência e o amor.
O verdadeiro cristão é estranho ao espírito de seita; ele é tudo para todos e vê todos os homens como filhos de um pai comum que quer salvar a todos; o símbolo inteiro tem para ele somente um sentido de doçura e amor: deixa para Deus os segredos da justiça e só compreende a caridade.
Vê os maus como doentes de quem é preciso ter pena e cuidar; o mundo com seus erros e seus vícios é, para ele, o hospital de Deus, e ele quer ser seu enfermeiro.
Não se acha melhor que ninguém, apenas diz: Enquanto eu for melhor, sirvamos os outros, quando for preciso cair e morrer, outros talvez tomarão meu lugar e nos servirão.


IX. O NÚMERO NOVE

Eis o eremita do tarô; eis o número dos iniciados e dos profetas.
Os profetas são solitários, pois seu destino é nunca serem ouvidos.
Vêem muito mais que os outros; pressentem as desgraças por vir. Assim, são aprisionados, mortos ou vilipendiados, são rejeitados como leprosos, ou deixam-nos morrer de fome.
Depois, quando os eventos ocorrem, dizemos: Foram essas pessoas que nos trouxeram desgraça.
Agora, como sempre, na véspera dos grandes desastres, nossas ruas estão plenas de profetas.
Encontrei alguns nas prisões; vi outros que morriam esquecidos em pardieiros.
Toda grande cidade viu algum cuja profecia silenciosa era girar incessantemente e andar sempre coberto de andrajos no palácio do luxo e da riqueza.
Vi um cujo rosto resplandecia como o do Cristo: tinha as mãos calejadas e a roupa do trabalhador e moldava epopéias como argila. Torcia juntos o gládio do direito e o cetro do dever e, sobre esta coluna de ouro e aço, inaugurava o símbolo criador do amor.
Um dia, numa grande assembléia do povo, desceu a rua, segurando um pão que partia e distribuía, dizendo: Pão de Deus, faze-te pão para todos!
Conheço outro que gritou: Não quero mais adorar o Deus do diabo; não quero um carrasco como Deus! E acreditou-se que ele blasfemava.
Não; mas a energia de sua fé transbordava em palavras inexatas e imprudentes.
Dizia ainda, na loucura de sua caridade ferida: Todos os homens são solidários e expiam uns pelos outros, da mesma forma que se merecem uns aos outros.
O castigo para o pecado é a morte.
O próprio pecado é, aliás, um castigo, e o maior dos castigos. Um grande crime é apenas uma grande desgraça.
O pior dos homens é o que se acredita melhor do que os outros.
Os homens apaixonados são escusáveis, uma vez que são passivos. Paixão significa sofrimento e redenção pela dor.
O que chamamos de liberdade é somente a onipotência da atração divina. Os mártires diziam: Mais vale obedecer a Deus que aos homens.
O menos perfeito ato de amor vale mais ao que a melhor palavra de piedade.
Não julgueis, falai pouco, amai e agi.
Um outro que veio disse: Protestai contra as más doutrinas por boas obras, mas não vos separeis de ninguém.
Restabelecei todos os altares, purificai todos os templos e estai prontos para a visita do espírito do amor.
Que cada um reze seguindo seu rito e comungue com os seus, mas não condeneis os outros.
Uma prática de religião nunca é desprezível, pois é o símbolo de um grande e santo pensamento.
Rezar em conjunto é comungar na mesma esperança, na mesma fé, na mesma caridade.
O signo não é nada para si próprio: é a fé que o santifica.
A religião é o laço mais sagrado e mais forte da associação humana, e fazer um ato de religião é fazer um ato de humanidade.
Quando os homens compreenderem, enfim, que não se deve discutir sobre coisas que se ignora;
Quando sentirem que um pouco de caridade vale mais que muita influência e dominação;
Quando todos respeitarem o que o próprio Deus respeita na menor de suas criaturas: a espontaneidade da obediência e a liberdade do dever;
Então, só haverá uma religião no mundo, a religião cristã e universal, a verdadeira religião católica que não renegará mais a si própria por restrição de lugares ou de pessoas.
Mulher, dizia o Salvador à samaritana, em verdade te digo que virá o tempo em que os homens não adorarão mais a Deus nem em Jerusalém nem sobre esta montanha, pois Deus é espírito, e seus verdadeiros adoradores devem servi-lo em espírito e em verdade.


X. NÚMERO ABSOLUTO DA CABALA
A chave das sefirotes (ver Dogma e Ritual da Alta Magia).....