sexta-feira, 12 de abril de 2013

Compreendendo o Tantra - A LIGAGEM QUE TODOS DEVEMOS APRENDER

O TRANTRA VERDADEIRO NÃO É SEXO

Compreendendo o Tantra

Primeira Parte: Perguntas e Dúvidas Fundamentais Sobre o Tantra

5 Imageria Tântrica

Examinando os Mal-Entendidos

Um dos aspectos mais perplexos e mais facilmente mal entendido do tantra é a sua imageria sugestiva de sexo, adoração ao diabo e violência. As figuras búdicas aparecem frequentemente como casais em união, muitas tendo caras demoníacas, aparecendo de pé rodeadas de flamas, e a espezinhar seres indefesos debaixo dos seus pés. Os primeiros eruditos ocidentais, vindos frequentemente de uma herança social victoriana ou missionária, ficaram horrorizados ao ver essas imagens.
Mesmo hoje em dia, algumas pessoas acreditam que os casais significam a exploração sexual das mulheres. Outros imaginam que os pares em união representam a transcendência de toda a dualidade até ao ponto em que não há nenhuma diferença entre o “bem” e o “mal”. Por conseguinte, pensam que o tantra é imoral e que não só aprova mas até incentiva o uso do álcool e das drogas e o comportamento hedonista, criminal e despótico. Alguns vão até ao ponto de acusar mestres tântricos bem-respeitados de conspirar para a conquista do mundo.
Os ocidentais não foram os primeiros a declarar o tantra como uma forma degenerada de budismo. Quando o tantra chegou originalmente ao Tibete, em meados do século VIII, muitos interpretaram a imageria literalmente, como concedendo licença livre ao sacrifício ritual de sexo e sangue. Subsequentemente, nos finais do século IX, um conselho religioso baniu traduções oficiais adicionais de textos tântricos e proibiu a inclusão de terminologia tântrica no seu Grande D icionário (S â nscrito-Tibetano). Um dos incentivos principais que levou os tibetanos a convidar mestres indianos para a segunda propagação do budismo no Tibete foi o de elucidar os mal entendidos sobre o sexo e a violência no tantra.
Nem todos os ocidentais que tiveram contato inicial com o tantra acharam a sua imageria perversa. Parte deles entendeu-a mal de outros modos. Alguns, por exemplo, acharam que a imageria sexual simbolizava o processo psicológico de integração dos princípios masculinos e femininos dentro de cada pessoa. Outros, como muitos tibetanos inicialmente, acharam as imagens eróticas. Até nos dias de hoje, algumas pessoas viram-se para o tantra esperando encontrar novas e exóticas técnicas sexuais ou uma justificação espiritual para a sua obsessão pelo sexo. Outros acharam as aterrorizadoras figuras fascinantes pela sua promessa de conceder poderes extraordinários. Tais pessoas seguiram os passos de Kublai Khan, o conquistador mongol do século XIII, que adotou o tantra tibetano desejando sobretudo que o fosse ajudar obter vitória sobre os seus adversários.
Assim, os mal-entendidos sobre o tantra são um problema recorrente. A razão pela insistência do tantra na manutenção dos seus ensinamentos e imagens secretos é a de evitar tais concepções erradas e não a de esconder algo perverso. Apenas aqueles com suficiente preparação no estudo e meditação estão em posição de compreender o tantra dentro do seu correto contexto.

Casais em União

 

 Trazer à consciência e integrar os princípios masculinos e femininos são partes importantes e úteis do caminho para a maturidade psicológica, como ensinado por várias escolas terapêuticas baseadas nos trabalhos de Jung. 
Contudo, julgar o tantra budista como a antiga fonte desta abordagem é uma interpolação. O mal entendido advém da visão de figuras búdicas como casais em união e da tradução incorreta das palavras em tibetano para casal, yab-yum, como masculino e feminino. 
Na verdade, as palavras significam pai e mãe. Assim como um pai e uma mãe em união são necessários para se produzir uma criança, do mesmo modo o método e a sabedoria em união são necessários para dar à luz a iluminação.
 
 O método, o pai, representa a bodhichitta e várias outras causas ensinadas no tantra para se obter os corpos físicos iluminadores de um Buda ou a consciência onisciente da verdade convencional de um Buda. A sabedoria, a mãe, representa a apreensão da vacuidade com vários níveis da mente, como causa para a mente iluminadora de um Buda ou para a consciência onisciente de um Buda da verdade mais profunda. Obter a união da mente e dos corpos físicos de um Buda ou a consciência onisciente de um Buda das verdades convencionais e mais profundas de todas as coisas, requer a prática da união do método e da sabedoria. Porque as culturas indianas e tibetanas tradicionais não compartilham o sentido bíblico de pudor sobre o sexo, não têm tabus sobre o uso da imageria sexual para simbolizar esta união.
Um nível de significado do pai como método é a consciência de pleno êxtase. A união do pai e da mãe significa a consciência de pleno êxtase juntamente com o entendimento da vacuidade - ou seja, o entendimento ou ou compreensão da vacuidade com uma consciência de pleno êxtase. Aqui, a consciência de pleno êxtase não se refere ao êxtase da liberação orgásmica como no sexo comum, mas a um estado mental de felicidade plena, conseguido através dos métodos avançados de yoga, que traz os ventos-energia (lung, rlung; sânsc. prana) para o canal-energia central. Uma sucessão prolongada de momentos de um tal estado mental é conducente ao alcance do nível mais sutil da continuidade mental, a nossa continuidade de luz clara - o nível mais eficiente de experienciação para o entendimento da vacuidade. O abraçar do pai e da mãe, então, simboliza também o aspecto de pleno êxtase da união do método e da sabedoria, mas não significa de modo algum o uso do sexo comum como um método tântrico.
Nos estágios finais do caminho da classe mais elevada do tantra, os métodos avançados de yoga, para atrair os ventos-energia para o canal central, envolvem um homem e uma mulher sentados numa postura de união. Contudo, longe de ser explorativo, é requerido que ambos os parceiros tenham atingido o mesmo nível avançado de desenvolvimento espiritual. Isto inclui que ambos tenham alcançado o nível de controlo das suas energias sutis e das suas mentes de modo a que, embora as pontas inferiores dos seus canais centrais estejam em contato, ambos evitem a liberação orgásmica.
Sentar-se em tal postura yóguica desempenhando complexas visualizações e meditando sobre a vacuidade é feito apenas para se elevar a prática aos níveis mais avançados. Não é feito como prática principal nem é feito regularmente, e não é certamente uma prática para os estágios iniciais do caminho.
Além disso, para se evitar toda a possibilidade de misoginia, machismo ou chauvinismo masculino, um dos votos tântricos é a constante contenção de falar mal das mulheres e de as maltratar.

Não-Dualidade

Qualquer iniciação tântrica requer a tomada de votos de contenção do comportamento destrutivo. Em todas as classes de tantra, os praticantes recebem os votos bodhisattva de se conterem em comportamentos que possam prejudicar os outros ou que possam danificar as suas capacidades de ajudar os outros. A base requerida é a prévia tomada de refúgio (a tomada de uma direção segura nas suas vidas) e a manutenção de algum nível de votos leigos ou monásticos, tais como a contenção em matar, roubar, mentir, ter comportamentos sexuais impróprios e tomar intoxicantes. A iniciação às duas classes mais elevadas de tantra requer também a tomada de votos tântricos, a contenção de comportamentos que possam danificar o seu progresso espiritual, tal como negligenciar a manutenção diária da presença mental na vacuidade.

Vacuidade não significa que, na verdade, tudo, incluindo a ética, não existe. Ela nunca nega as distinções convencionais entre o comportamento destrutivo e construtivo nem o funcionamento da causa e do efeito comportamental. A não-dualidade, representada pelos casais em união, significa que categorias tais como “destrutivo” e “construtivo” não existem independentemente umas das outras. São designadas em relação umas às outras e em relação às suas causas e efeitos. Assim, ir-se para além do dualismo não significa obter autoridade para dar rédea solta ao comportamento egoísta ou abusivo nem para revogar a responsabilidade pelas nossas ações. Significa adquirir consciência da realidade total, com a visão do interrelacionamento e da interdependência de tudo.
Além disso, quando os praticantes tântricos aceitam provar um pouco de álcool e de carne especialmente consagrada durante certos rituais, isso simboliza a purificação e o uso das energias sutis nos seus corpos para alcançar a iluminação. Tal como quando se recebe o pão e o vinho especialmente consagrados numa comunhão cristã, o ato simbólico dificilmente sanciona o abuso de álcool ou de droga.

Figuras Pacíficas e Figuras Enérgicas

As figuras búdicas podem ser pacíficas ou enérgicas, como é mostrado, ao nível mais simples, pelos seus sorrisos ou pelos seus longos dentes caninos a descoberto nas suas bocas. Mais detalhadamente, as figuras enérgicas têm caras aterrorizadoras, seguram um arsenal de armas e estão cercadas por chamas. As descrições delas especificam, em pavorosos pormenores, as várias formas como elas esmagam os seus inimigos. Parte da confusão que surge sobre o papel e a intenção destas figuras enérgicas vem das usuais traduções da palavra [usada] para elas, trowo (khro-bo, sânsc. kroddha), como deidades furiosas ou iradas.
Para muitos ocidentais com uma educação bíblica, a expressão deidade irada carrega a conotação de um ser todo poderoso com uma raiva vingativa e moralista. Tal ser distribui punição divina como correção aos malfeitores que desobedeceram as suas leis ou que o ofenderam de algum modo. Para algumas pessoas, uma deidade irada pode significar até o diabo ou o demónio trabalhando no lado das trevas. O conceito budista não tem nada a ver com tais noções. Embora o termo tibetano derive de uma das palavras usuais para raiva, aqui raiva tem mais a conotação de repulsa - um estado mental agitado dirigido a um objeto com o desejo de se livrar dele. Assim, uma tradução mais adequada para “trowo” pode ser a de uma figura enérgica.
As figuras enérgicas simbolizam os meios energéticos e fortes frequentemente necessários à remoção dos bloqueios mentais e emocionais que nos impedem de sermos perspicazes ou compassivos. Os inimigos que as figuras esmagam incluem o entorpecimento, a preguiça e o egocentrismo. As armas que eles usam incluem qualidades positivas desenvolvidas ao longo do caminho espiritual, tal como a concentração, o entusiasmo e o amor. As chamas que as cercam são os tipos diferentes de consciência profunda (yeshey, ye-shes; sânsc. jnana, sabedoria) que reduzem os obscurecimentos a cinzas. Imaginarmo-nos como uma figura enérgica ajuda-nos a utilizar a energia mental e à decisão de superarmos os “inimigos internos”.
Na perspectiva budista, a energia mais sutil da continuidade de luz clara pode ser pacífica ou enérgica. Quando associada com a confusão, as energias pacíficas e enérgicas e os estados emocionais subjacentes tornam-se destrutivas. Por exemplo, a energia pacífica torna-se letárgica e a enérgica torna-se irada e violenta. Quando livres da confusão, as energias podem imediatamente combinar-se com a concentração e a consciência discernente (sherab, shes-rab; sânsc. prajna, sabedoria), de modo a estarem disponíveis para o uso positivo e construtivo. Com uma energia pacífica, podemo-nos acalmar a nós e aos outros para tratarmos das dificuldades de um modo inteligente. Com a enérgica, podemo-nos reavivar, a nós e aos outros, para termos mais força, coragem e intensidade mental para superar situações perigosas.

Observações Conclusivas

A publicidade e os entretenimentos ocidentais contemporâneos adquirem, em parte, o seu sucesso do fascínio que a maioria das pessoas tem pelo sexo e a violência. Para algumas pessoas, este fascínio também as atrai ao tantra. Contudo, a sua atração pode conduzí-las a alvos mais elevados.
Em geral, ver, ouvir ou engajar em sexo e violência excita as energias das pessoas. Os hormônios fluem e a mente torna-se intensa. A violência não precisa de ser aterrorizadora, ela pode incluir esportes extremos ou de contato. Algumas pessoas, naturalmente, experienciam aversão ou estão tão cansadas de tais coisas que nada sentem. Considerem, porém, aqueles que se tornam fascinados ou obcecados. Se a confusão acompanhar as energias despertadas pelas suas paixões, tais pessoas podem causar problemas para si ou para os outros, como por exemplo sendo rudes. Se, por outro lado, as pessoas acompanharem as energias com presença mental, concentração, e discernimento, elas podem transformar e usar as energias para alvos positivos. O tantra oferece-nos métodos hábeis para produzir esta transformação, especificamente com o interesse de ajudar os outros. Contudo, para se colher todos os benefícios da prática tântrica precisamos de uma compreensão mais profunda dos processos envolvidos.
 
 Alexander Berzin

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