Terapia Corporal - O Toque Como Fator de Equilíbrio e Autoconhecimento
O TOQUE DA SAÚDE E EQUILÍBRIO
Este
artigo disserta sobra a integração das técnicas corporais orientais
seculares com as modernas e ocidentais abordagens psicanalísticas
reichianas e derivadas, resultando em uma Terapia Corporal de abordagem
holística. Resgata a importância do tocar e ser tocado como instrumento
de catarse terapêutica e de harmonização psicofísica, resultando em
ampliação da qualidade de vida e autoconhecimento, tanto para o Cliente,
quanto para o profissional.
Introdução
Muito se aborda a globalização e o acesso
universal a informações em todos os campos de conhecimento, incluindo a
Terapia Holística. Porém, mesmo no Brasil, de ampla tradição de
sincretismo e fusão das mais variadas vertentes de pensamento, ainda
deparamos com um separatismo entre as técnicas corporais orientais e
ocidentais, bem como uma distância entre o discurso de paradigma
holístico e uma real aplicação deste conceito, a tal ponto de ainda
encontrarmos profissionais que iludem-se de atuar em questões físicas e
outros, em aspectos psíquicos, como se tais existissem de forma
isolada...
São inegáveis as qualidades técnicas das
manobras corporais tradicionais, tais como o shiatsu, tuina, anma,
sparsha, dentre outras, assim como é fundamental a contribuição da
psicanálise quanto aos aspectos inconscientes de nossa personalidade
serem corporificados. Contudo, ambas as vertentes ainda não convergiram,
resultando em "massagistas" (termo totalmente inadequado à legislação
brasileira...) que desconhecem o fato de seu trabalho pode resultar em
catarses, como também em profissionais da vegetoterapia e bioenergética
propondo técnicas de toque, respiratórias e posturais que já estariam
eficientemente supridas nas já seculares técnicas corporais, como as já
citadas, bem como as oriundas do yôga e tai-chi-chuan.
Cabe ao Brasil eliminar a iniciativa em
superar desinformações, preconceitos e vaidades, promovendo a integração
entre todas estas linhas complementares de tratamento, formando
Terapeutas Corporais que honrem a sabedoria milenar, da mesma forma que
abraçam a modernidade psicanalítica, fazendo justiça a que mais esta
modalidade terapêutica seja integrante da Terapia Holística, atendendo a
Clientela ciente de que físico-psíquico-social-transcendente é uma só
unidade indissociável.
Resultados
Constatou-se ganhos significativos
oriundos do sincretismo entre as abordagens ocidentais modernas e
orientais milenares da Terapia Corporal. As manobras corporais de
tradições seculares, tais como shiatsu, tuina, anma, seitai, sparsha,
dentre outras, mostraram-se mais adaptáveis a cada Cliente, em
comparação às mais recentes, oriundas das linhas reichianas e
neo-reichianas, tais como a bionergética. Em contraponto, a proposta
analítica destas últimas são indispensáveis à interpretação emocional
refletida via corpo, já que essa capacidade fora perdida no decorrer do
tempo, no que se refere ao ensino e prática das técnicas orientais, na
forma como nos chegam atualmente.
Clientes originados de queixas físicas
apresentam resultados mais rápidos e eficazes quando a Terapia Corporal
aflora as emoções reprimidas simultaneamente ao trabalho de toque. É
perceptível ao tato do profissional, o relaxamento nas áreas antes
tensas, imediatamente à manifestação da emoção e/ou lembrança que emerge
sincronisticanente ao contato físico com a zona reflexa e/ou
diretamente sobre a região corpórea. Da mesma forma, regiões sem tônus
de pronto manifestam retorno da tonicidade, assim que afloram os
sentimentos e lembranças induzidos pelo toque de volta à consciência.
Quadros de dores e de dificuldade de movimentos apresentam reversão
drástica, ainda que temporária, imediatamente à catarse emocional
desencadeada pelo toque e indução verbal.
Ratificando o acima descrito, quadro
similar ocorre com a Clientela de queixas emocionais, onde o trabalho de
toque serve tanto para detectar quais regiões corpóreas estão
refletindo o quadro psíquico, quanto para aflorar à consciência as
emoções reprimidas, bem como lembranças de situações traumáticas.
Em ambas as situações, a PSICOTERAPIA
HOLÍSTICA, incluindo o ACONSELHAMENTO, desempenha papel fundamental em
facilitar ao Cliente a compreender o conteúdo aflorado, o que se mostra
fundamental para que o quadro queixoso anterior não reincida. A catarse
emocional por si só, apresenta resultado temporário, com imediata
melhoria do quadro geral, porém, com retorno do estado original poucos
dias após. A durabilidade do resultado é mantida quando o Cliente é
simultaneamente amparado com técnicas de foco psicoterápico.
A inclusão do contato físico na relação
CLIENTE e TERAPEUTA HOLÍSTICO acelera o ritmo e intensifica a terapia,
traduzindo-se em resultados de espectro mais amplo e, uma aumento da
frequência e intensidade nas transferências e contra-transferências, exigindo grande preparo do profissional.
Discussão
Todas as tradições terapêuticas
seculares, das mais variadas culturas, incluem trabalhos corporais, em
especial, técnicas de toque. Originalmente de enfoque holístico, era
parte integrante a premissa do ser como um contínuo
físico-psíquico-social-transcendente e que, independente do caminho
terapêutico escolhido, é ilusória a idéia de tratar um tópico
"separadamente" do todo. Assim sendo, a intervenção corpórea implica em
simultânea atuação no psiquismo, nas relações com a sociedade e em sua
conexão com o universo que somos.
Modernas ideologias, governos ditatoriais
e o cientificismo mecanicista influenciaram uma ruptura no paradigma
holístico terapêutico. Seja por necessidade de sobrevivência às
perseguições, seja em concessões e adaptações para tentar enquadrar nos
limites do "científico", fato é que ao século 20, terapias como shiatsu,
tuiná, anma, seitai e similares, chegaram até nós amputadas de sua
original tradição sistêmica, passando a tratar o "corpo" como se fosse
uma "máquina", composta de "partes" a serem manipuladas pelo toque para
que "funcionem" melhor... A excelência técnica das manobras corporais se
manteve, porém, perdeu-se a "alma" em algum momento de sua história.
A partir da década de 70, com o movimento
da contracultura, "revolução aquariana", ecologia e retomada do
paradigma holístico, as abordagens corporais se permitiram a
reintegração com os conceitos de "energia", reassumindo a interação com
meridianos (canais de circulação energética da acupuntura - terapia
tradicional chinesa), chacras (ou chakras, vórtices de energia estudados
na ayurvédica - terapia tradicional indiana) e "corpos sutis" (matrizes
energéticas paralelas ao corpo material, conceito este comum a todas as
culturas milenares). Ao mesmo tempo, readmitiu-se que a terapia pelo
toque igualmente atua nas emoções, porém, sem aprofundar na questão,
deixando de integrar ao trabalho a necessária metodologia de amparar o
Cliente nas consequências oriundas dos sentimentos e memórias evocadas
pelo toque.
Desenvolvendo-se de forma complementar, contamos com a Psicánalise, pela qual Freud
demonstra a grande atuação das questões psíquicas nas somatizações,
sendo até possível a reversão destas, como decorrência da análise, ao
resgatar do inconsciente, os traumas, lembranças, emoções reprimidas e
integrá-las ao consciente.
Quer seja por preocupar-se em manter-se
dentro de uma certo paralelo com a metodologia científica (isolar-se do
"objeto" estudado...), quer seja para evitar maiores controvérsias e
envolvimentos, TOCAR o Cliente era algo fora de discussão, até a
dissidência de Wilhelm Reich, que “corporificou” o
inconsciente, identificando suas informações como uma bioenergia
circulante (por ele denominada “orgone”).
A negação das emoções, impulsos, desejos
oriundos do Id se dá pelo impedimento da livre passagem da bioenergia
por meio da musculatura corporal, quer seja pela tensão excessiva (mais
facilmente identificável...), ou pela ausência desta (falta de tônus),
pois em ambas as situações, é prejudicado o livre fluxo energético.
Observa-se aqui, um grande paralelismo (jamais assumido...) com as
teorias da Terapia Tradicional Chinesa e seus Meridianos (caminhos
preferenciais da energia circulante).
Reich extrapolou, concluindo que o
inconsciente individual é corporal e que a repressão do material
psíquico implica em bloquear energeticamente a circulação da informação,
que evolui para tensões musculares, até culminarem em somatizações cada
vez mais complexas e, paralelamente, a aparência corporal é igualmente
reflexo das experiências psíquicas vividas: quanto mais um componente é
mantido inconsciente, maior é o grau de somatização...
Analisando os Clientes, Reich e seus discípulos identificaram regiões corpóreas estatisticamente predominantes, nas quais os traumas psíquicos específicos a cada fase da vida tendem a ser sua energia-informação retida em sua circulação em direção ao inconsciente. Tal mapeamento, também conhecido como Couraças Musculares do Caráter, aproxima-se e muito das zonas tradicionalmente definidas para os Chacras (centros de energia), tanto nas tradições milenares da China, quanto da Índia.
Analisando os Clientes, Reich e seus discípulos identificaram regiões corpóreas estatisticamente predominantes, nas quais os traumas psíquicos específicos a cada fase da vida tendem a ser sua energia-informação retida em sua circulação em direção ao inconsciente. Tal mapeamento, também conhecido como Couraças Musculares do Caráter, aproxima-se e muito das zonas tradicionalmente definidas para os Chacras (centros de energia), tanto nas tradições milenares da China, quanto da Índia.
Enquanto na abordagem freudiana, o
Cliente segue seu próprio ritmo espontâneo de resgate do inconsciente,
por meio de associações livres de idéias durante as consultas, na
análise reichiana introduziu-se o TOQUE nas zonas
musculaturas específicas (“couraças”), provocando a circulação da
bioenergia e, com isso, o contato consciente com as emoções e lembranças
reprimidas.
A linha reichiana "clássica", a Vegetoterapia,
segue um padrão relativamente rígido e pré-fixado para a sequência de
desbloqueio das couraças, enquanto que as chamadas correntes
neoreichianas, como a Bioenergética (que tem Alexander Lowen
como seu expoente...) são mais flexíveis quanto à ordem e formas de
trabalhar os bloqueios, utilizando-se, além do toque, técnicas
respiratórias e posturais, que contém muitos paralelos ao Yôga e
Tai-Chi-Chuan...
Estas últimas vertentes, de origens
ocidentais e modernas, em contraponto com as demais linhas aqui
inicialmentes descritas, milenares e orientais, permaneceram
distanciadas, uma corrente desconhecendo totalmente a outra. Não raro
deparamos com reichianos que desconhecem chacras e shiatsuterapeutas que
nem sequer imaginam que desbloqueiam "couraças do caráter"...
Minha experiência pessoal na Terapia
Corporal iniciou com as técnicas manipulativas orientais (shiatsu e
tuiná); contudo, mais do que "relaxamento", comumente os Clientes
experienciavam catarses emocionais. Ou seja, conhecendo ou não as
teorias reichianas, sabendo ou não o que são "couraças", estamos
literalmente colocando nossas mãos no inconsciente de quem atendemos e
irá aflorar o material psíquico reprimido.
A ausência do toque ou o abuso deste,
especialmente na infância, é fator determinante em boa parte dos traumas
de cada indivíduo. Daí a Terapia Corporal ser fundamental no resgate de
muitas destas questões.
Em nosso corpo, "congelamos" a lembrança
histórica e emocional de certas questões vividas e o toque,
intencionalmente ou não, convida a re-experimentar as sensações
bloqueadas e a expressar os sentimentos reprimidos. A tendência desta
situação é regressiva, pois toca-se uma questão em aberto do passado,
comumente convidado à criança interior a novamente aflorar. Tal fator é
ampliado porque o Terapeuta Holístico forma uma relação transferêncial
com o Cliente, já que este tende a projetar no profissional, a persona
de pai-mãe-cônjuge. É preciso o entendimento do conceito de TRANSFERÊNCIA
e assumir as responsabilidades dos efeitos do toque sobre a pessoa
atendida. Por exemplo, ao atender um indivíduo em estado de carência, há
de se preparar para a possibilidade de ser visto como um objeto de amor
e, consequentemente, conscientizar-se de que tal relação culminará em
dor. Atentem que, numa relacionamento transferencial, o tocar pode ser
interpretado de forma totalmente diversa da intenção original:
" ... ao começar a trabalhar fisicamente
com meus Clientes, sem perceber, eu procurava tocar a parte de trás do
pescoço. Esse movimento inconsciente estava obviamente criando respostas
diferentes em Clientes diversos. ... Quanto toquei o pescoço de uma
Cliente que havia sido abusada quanto criança, ela ficou assustada, como
se eu fosse arrancar sua cabeça. O mesmo contato, de meu ponto de
vista, com um Cliente mais dependente, fez com que ele desejasse apoiar
sua cabeça em minha mão. Quanto toquei o pescoço de uma Cliente com
muitas questões referentes ao controle, meu gesto estimulou sua paranóia
e sua suspeita, como se estivesse sendo manipulada para fazer algo que
não desejava.A resposta mais condescendente veio de um Cliente a meu
toque foi ter dor no pescoço e sentir-se sobrecarregado. Toquei outro
Cliente na parte de trás do pescoço e seu maxilar elevou-se com orgulho,
como se eu estivesse dando tapinha em suas costas. Assim, quando toco
os Clientes, eles têm uma resposta que vem de suas histórias
individuais, do que o contatto significou para eles no passado e de sua
transferência comigo..."
HEDGES,
LAWRENCE E.; HILTON, ROBERT e HILTON, VIRGINIA W. – Terapeutas em Risco
– Perigos da Intimidade na Relação Terapêutica, Summus Ed., 1997.
Claro que situações transferênciais como
as acima descritas, igualmente ocorrem em terapias que não fazem uso do
toque, porém, é constatável que trabalhar o corpo amplifica a frequência
e intensidade. O mesmo se dá no sentido inverso, ou seja, com a CONTRATRANSFERÊNCIA.
É consenso que a maioria dos Terapeutas possui profundas feridas
narcisísticas em aberto, as quais tentamos cicatrizar ao dar atenção aos
Clientes, da forma que jamais tivemos... Não raro, tivemos que
amadurecer cedo, quando deveríamos ter tido a permissão de ser crianças e
nossos cuidados com os outros é a sublimação do ressentimento de que
nosso amor não bastava para sermos correspondidos pelos pais, pois só
sendo "produtivos" e "perfeitos" para sermos amados. Por isso, oculta-se
no TOCAR em nossos Clientes, o desejo de acolhimento e amor.
Há
tanto a projeção "positiva" (amor, carinho...), quanto "negativa" (ódio,
raiva...) e faz parte do processo. Cabe ao profissional ter consciência
disso e perceber, por exemplo, que um(a) cliente apaixonado(a) por quem
lhe atende é tão somente uma transferência e não um sentimento
duradouro; o mesmo se dá na fase do cliente "odiar" seu analista,
momento em que o Terapeuta Holístico terá que re-experimentar suas dores
mais profundas, ligadas à rejeição sentida quanto criança.
O
Terapeuta Corporal tem que estar disponível e preparado, inclusive, para
ser tocado. Possibilitar ao Cliente ser capaz de contato físico
adequado em ambiente seguro, é criar a oportunidade para a sua
auto-recuperação, com a criança interior revivenciando de modo
equilibrado e positivo, a ausência e/ou o abuso de contato ocorridos
originalmente. Nesse contexto, o Terapeuta Holístico, ao firmar o
vínculo com seu Cliente, automaticamente abre mão de qualquer
possibilidade de relacionamento amoroso/sexual com a pessoa atendida,
pois, na maioria dos casos, o resultado traumático seria equivalente ao
de um incesto.
A
melhor forma de preservar a integridade tanto de quem atende, quanto da
pessoa atendida, é o profissional manter-se em contínua terapia e
supervisão, inclusive, em grupos de discussão, pois o que se constata na
prática é que, independente do quão experiente seja um analista, quando
está em momento de contratransferência, sua visão do caso fica
prejudicada, enquanto que para os demais colegas, que não estão
emocionalmente envolvidos na situação, muito mais facilmente detectam o
que está ocorrendo.
Conclusões
O contato físico intensifica o ritmo da
terapia e igualmente aumenta o grau de responsabilidade e exigência
técnica, o que é plenamente compensado pela excelência de resultados e
gratificação profissional.
Não há mais justificativa, em nosso atual
tempo de acesso globalizado às mais variadas correntes terapêuticas, à
ilusão de abordar o psicofísico como se fosse "partes separadas".
A fusão entre as manobras orientais já
tradicionais e a conscientização do efeito psíquico do toque reavivada
pelas correntes psicoterápicas reichianas e neo-reichianas, resulta em
uma terapia mais profunda e abrangente do que a simples soma das partes.
Tanto as reclamações de origem física,
quanto as de foco emocionais são atendidas na mesma proposta de
trabalho, em conformidade com o paradigma holístico, ampliando o leque
de oportunidades em atender quantitativa e qualitativamente à Clientela
potencial.
A ampliação da transferência e
contratransferência pelo fator do tocar e ser tocado, obriga o Terapeuta
Holístico a manter-se em contínua terapia e supervisão, resultando num
indivíduo mais equilibrado e autoconsciente e, como tal, um profissional
mais eficiente e um ser humano mais feliz.
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