Somos aquilo que existe em nós
"Como
é que eu posso sentir-me mais feliz? Andamos ansiosos à procura de
qualquer coisa. Mas é má ideia. Não precisamos de encontrar nada. Já
temos aquilo de que precisamos. Precisamos apenas de viver com a mesma
tranquilidade dos animais e de não fazer uma distinção tão nítida entre
os nossos comportamentos voluntários e involuntários.
O
que acontece «porque acontece» e o que resulta do exercício da nossa
vontade não se distinguem tão bem como isso. Somos apenas uma das coisas
que existe, uma parte do universo. E nunca estamos sós. Se entendermos
bem a natureza das coisas e conseguirmos esquecer tudo o que aprendemos
que tenta ir contra ela, conseguimos fazer tudo o que é possível, com o
mínimo esforço.
É a esse estado de consciência,
que resulta sobretudo de um questionar dos modelos formais e informais,
que os orientais chamam «iluminação». Corresponde a uma sensação de
«inflação», como dizia Jung, porque nos sentimos Um com o universo todo.
Parece que entendemos tudo, que conseguimos tudo o que queremos. Porque
no fundo aceitamos ser quem somos e tudo começa a correr «como
queremos». Porque não queremos nada que não aconteça. Basta-nos o que
existe.
Temos que deixar de acreditar que
somos aquilo que não somos. Somos aquilo que existe em nós. E não
aquilo que julgamos que deveríamos ser. Há que questionar o senso comum.
Vivemos na ilusão de que
seríamos mais felizes se tudo fosse diferente do que o que é e se
conseguíssemos ter tudo aquilo com que sonhamos. Mas, se tivéssemos
sempre aquilo que queríamos ter, depressa nos cansaríamos. E depressa
desejaríamos que acontecesse algo de que não estávamos à espera.
Quereríamos que a vida fosse mais imprevisível e aventureira. Ou seja,
quereríamos que a vida fosse exactamente como ela é de facto.
Deixaríamos de desejar ser
perfeitos como deuses e seríamos como um deus feito homem de novo. E
começaríamos a amar mais a nossa condição humana e o nosso ambiente, em
vez de nos queixarmos tanto deles.
O que existe - a realidade - é em si fantástica; e «ser feliz» consiste exactamente em compreender isso mesmo.
Ser uma pessoa com sorte, é isso
mesmo. Quando aceitamos a realidade e nos deixamos ser o que somos, mais
facilmente nos acontece o que de melhor nos pode acontecer.
Se vivermos tentando construir
uma teia com o propósito de caçar alguma mosca dourada, podemos até
conseguir o que pretendemos. Mas, depois de toda a expectativa e
ansiedade da espera, sentimo-nos normalmente descontentes com a nossa
presa. E com inveja das pessoas que, ao nosso lado, sem fazerem esforço
nenhum, conseguiram caçar uma mosca que lhes saberá muito melhor.
Podemos passar a vida a tentar
organizá-la e discipliná-la e a construir teias, cada vez mais
sofisticadas e cada vez visando presas mais valiosas. Podemos tentar ser
mais ricos e encontrar a mulher ou o homem ideal. Mas essa necessidade
de ganhar faz-nos perder a nossa inocência. Podemos facilmente perder a
oportunidade de ter a sorte de encontrar quem ou o que na realidade nos
tornaria realmente felizes."
Autor:Alan Watts
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