Gatilho hormonal é disparado no cérebro quando a pessoa crê que algo vai dar errado
"Ó, vida, ó, azar!", queixava-se a hiena Hardy Har Har, no clássico desenho animado, prevendo que as coisas não dariam certo. Agora, uma pesquisa provou que, de alguma forma, Hardy tinha razão. Se um paciente pensa que o tratamento não vai funcionar, ele provavelmente não irá, mesmo com as melhores técnicas ou os mais potentes medicamentos.
Uma antiga crença popular acaba de ganhar comprovação científica. Publicado em fevereiro na revista Science Translational Medicine, um estudo liderado pela Universidade de Oxford, da Grã-Bretanha, com a participação de outras três instituições européias, mostrou que o pensamento negativo pode, sim, ter conseqüências nocivas. Pelo menos quando o assunto é saúde.
Decididos a desvendar os mistérios do cérebro e a testar se as convicções dos pacientes podem alterar o resultado de um tratamento, os cientistas reuniram 22 voluntários para uma bateria de exames. No laboratório, sem que os envolvidos soubessem, manipularam suas expectativas em relação à dor. Os resultados foram surpreendentes.
Imagine a cena: acomodados em um aparelho de ressonância magnética, com tubos intravenosos nos braços, os participantes foram expostos a uma dor física, provocada por uma fonte de calor. Pela corrente sanguínea, passaram a receber um analgésico potente.
Em determinado momento, ficaram sabendo que o medicamento seria cortado repentinamente. Quando isso aconteceu, os relatos de sofrimento aumentaram vertiginosamente. Nada demais, não fosse um pequeno detalhe: eles continuavam medicados. O mais curioso é que, por meio de imagens da atividade cerebral dos voluntários, os estudiosos confirmaram que eles realmente sentiam o desconforto relatado. Em outras palavras, a certeza de que a situação iria piorar anulou o efeito do remédio.
— Isso mostra que os médicos não podem subestimar a influência das expectativas negativas que os pacientes têm sobre o resultado de um tratamento —, declarou a professora Irene Tracey, do Centro de Ressonância Magnética Funcional do Cérebro da Universidade de Oxford, que comandou o trabalho.
Pessimistas
A conclusão também reforça algo que outras pesquisas já vinham apontando. Um levantamento desenvolvido em 2010 pela International Stress Management Association (Isma) revelou que, entre pessimistas inveterados, as chances de desenvolver moléstias — como problemas gástricos, dores musculares, arritmia e taquicardia — são maiores.
— Na ciência, classificamos os pessimistas como pessoas que interpretam as dificuldades como fracassos e sempre esperam o pior. Eles sofrem muito. Acham que o mundo é injusto, são inflexíveis e obsessivos — , destaca a presidente da Isma no Brasil e Ph.D. em psicologia, Ana Maria Rossi.
Não raro, quanto mais pensamentos negativos nutrem, mais pessimistas ficam. Mas o que está por trás disso? O neurologista Pedro Schestatsky diz que a explicação passa por um conjunto de fatores. Em geral, sempre que uma pessoa crê que algo vai dar errado e vive uma situação de estresse, um gatilho hormonal é disparado no cérebro, e substâncias como cortisol e adrenalina são liberadas. É como se o órgão percebesse que há algo ruim por vir e preparasse o corpo para a guerra — mantendo-o em estado de hipervigilância.
Em pessoas saudáveis, essas descargas são comuns e até benéficas. O problema é que, no caso dos pessimistas, passam a ser contínuas. O resultado da cascata hormonal é a diminuição da capacidade de suportar a dor e o enfraquecimento do sistema imunológico, abrindo brechas a doenças. Por essa e por outras razões, Schestatsky comemora o resultado da pesquisa britânica:
— O estudo comprova o quanto é importante o médico conversar com seu paciente, entender o que se passa na cabeça dele e trabalhar isso. Não adianta atendê-lo em cinco minutos e prescrever um remédio sem um vínculo terapêutico. Se a expectativa for ruim, tem tudo para dar errado.
Saiba mais
Dos versos melancólicos e negativos do poeta inglês Lord Byron à saga de Luis da Silva, protagonista de Angústia, de Graciliano Ramos, os conflitos vividos por homens e mulheres de mal com o mundo perpassam gerações e pululam livros, filmes e programas de TV. Até os fãs dos desenhos animados se acostumaram a rir do velho e choroso bordão "ó, céus, ó, vida, ó, azar", de Hardy Har Har, a impagável hiena criada pelos estúdios Hanna-Barbera.
A técnica
Para ajudar pacientes a superarem o negativismo, a psicóloga Ana Maria Rossi costuma ensinar um método simples, desenvolvido na década de 80, chamado de técnica da visualização. Funciona assim:
1. Sempre que você estiver em uma situação que desencadeie algum pensamento negativo, pare o que está fazendo e respire fundo.
2. A idéia é que você "engane" seu cérebro. Em função de fatores neurológicos, ele não diferencia o real do imaginado. Para isso, antes que ele comece a produzir os hormônios relacionados ao pessimismo, substitua o pensamento negativo por um positivo e visualize a cena.
3. Repita o processo sempre que necessário e se programe para agir dessa forma até que passe a ser algo natural.
Problema tem solução
Pessimistas são como peixes presos a uma rede em alto-mar. Não é fácil se libertar da trama e dar um basta aos pensamentos negativos, afirmam os médicos. Mas não é impossível.
— O problema é que quando o pessimista vê uma luz no fim do túnel, acha que é a locomotiva que vem vindo. Ele se alimenta de fatos negativos. É um obsessivo —, diz a psicóloga Ana Maria Rossi.
O neurologista Pedro Schestatsky, coordenador do Comitê de Dor da Sociedade Européia de Neurologia, vai mais longe: muitos desses pacientes, na verdade, têm transtorno de personalidade catastrófica:
— Eles supervalorizam a dor, como aqueles sujeitos que têm uma unha encravada e acham que vão morrer.
Não raro, complementa o psiquiatra Fernando Lejderman, o quadro está associado a depressão ou ansiedade. Dependendo da gravidade dos sintomas, o paciente só supera a situação com terapia e medicamentos.
— É difícil, mas se a pessoa reconhecer o problema, consegue vencer — ressalta Lejderman.
juliana.bublitz@zerohora.com.br
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