OGUM
No Candomblé
“Ogum como personagem histórico, teria sido o filho mais velho de Odùduà, o fundador de Ifé. Seu nome, traduzido para o português, significa luta, batalha, guerra. Em outras lendas é filho de Iemanjá e irmão mais velho de Exu e Oxóssi, tendo grande afinidade por Oxóssi, um amor de irmão verdadeiro, defendendo-o várias vezes de seus inimigos e passando mesmo a morar fora de casa com Oxóssi, quando este foi expulso de casa por Iemanjá. Era um temível guerreiro que brigava sem cessar contra os reinos vizinhos. Dessas expedições, ele trazia sempre um rico espólio e numerosos escravos…”
Já aprendemos sobre a energia, coragem e diligência de Ogum em Ogum, Geburah e Pi. Sobre sua relação de equilíbrio com Oxóssi em Oxóssi a Luz da Cabala.
O que estudaremos aqui é um outro aspecto, muito menos compreendido de Ogum, a transformação a partir da destruição; e para isso, contaremos mais uma vez com a ajuda da Árvore da Vida.
Ogum, assim como todos os “Deuses da Guerra” de todas as mitologias, na Cabala judaica está associado à esfera de Geburah. Quarta sephira da árvore da vida, esta esfera representa a Vontade, a Força, a Severidade. Representa o desejo de contenção e de questionador de impulsos. Canaliza sua energia por meio de objetivos, com o intuito de superar obstáculos e transformar a própria natureza. Suas virtudes são a Energia e a Coragem; seus vícios, a Crueldade e a Destruição. Em outras palavras, quando esta energia está equilibrada significa a Diligência; quando desequilibrada, a Ira.
Imagem Mágica: Um poderoso guerreiro em seu carro.
Texto Yetzirático: Inteligencia Radical.
Títulos Conferidos a Geburah: Din (justiça); Pachad (medo).
Virtude: Energia, coragem.
Vício: Crueldade, destruição.
De fato, Ogum sempre é descrito na mitologia dos Orixás como o “temível guerreiro que brigava sem cessar contra os reinos vizinhos”. Para qualquer pessoa fora da Umbanda ou do Candomblé, (e para muitos adeptos também) pode parecer inadmissível compreender uma energia de guerra e destruição como sagrada. Mas, como todas as outras energias apresentadas na mitologia, Ogum também é descrito metaforicamente.
Mas então, o que realmente significa essa metáfora de guerreiro, de guerras e destruição?
Dion Fortune em seu livro A Cabala Mística começa a nos dar uma luz com o seguinte exemplo:
“A analogia fisiológica permite-nos uma clara compreensão do significado dessas duas Sephiroth (Chesed/Oxóssi e Geburah/Ogum). O metabolismo consiste em anabolismo, ou ingestão/assimilação de alimento, e a deposição deste no tecido e catabolismo, ou transformação do tecido em obra ativa e saída de energia. Os subprodutos do catabolismo são as toxinas da fadiga, que o sangue deve eliminar pelo repouso. O processo vital é uma assimilação a um sucumbir, e Geburah e Chesed representam esses dois processos no macrocosmo.”
METABOLISMO: Representa um conjunto de reações químicas enzimáticas (bastante complexas) que ocorre em todos os sistemas celulares biológicos dos seres vivos. ANABOLISMO: É a bio síntese de moléculas mais estruturadas e complexas, a partir de pequenas moléculas mais simples. Esse tipo de reação ocorre com absorção de energia, e por isso é denominada de reação endoergônica. Parte da energia liberada pelos processos catabólicos é utilizada pelos processos anabólicos. CATABOLISMO: É a degradação (quebra) de moléculas maiores, mais estruturadas e complexas, em moléculas menores. Esse tipo de reação ocorre com a liberação de energia sob a forma de calor, sendo por isso denominada de reação exoergônica.
Caminhos Abertos e Prosperidade
Daí fica mais fácil entender uma função de Geburah/Ogum que é de destruição – quebrar de forma a liberar força, de modo que a energia liberada pode ser usada para um propósito mais elevado e de criar novas formas. Este é o processo natural do catabolismo, que é necessário para equilibrar a ação oposta e complementar do anabolismo. As energias de Ogum nunca vão destruir o que é essencial e eterno, apenas o que é necessário para permitir o crescimento e renovação em um nível superior.
Podemos aprender a usar esta energia para dar forma e moldar-nos à perfeição, destruindo o que é desnecessário (como a quebrar maus hábitos) e aprimorando o que é importante para nós, levando à mudança proposital e despertar da força interior e exterior. No nível da alma, Ogum é o arquétipo da Vontade e Poder. Energia, disciplina e planejamento são necessários para trazer os ideais de nossa alma à existência. Escolhas sábias sobre o que manter e o que se sacrificar são feitas sob a orientação do Eu Superior. Neste ponto, Geburah/Ogum é o sacerdote sacrificial. O sacrifício não significa oferecer algo que nos é caro porque um Deus ciumento não suporta interesses rivais em Seus devotos e se regozija com o nosso sofrimento. Antes disso, significa a escolha deliberada de um bem maior, de preferência a um bem menor, assim como o atleta prefere a fadiga do exercício à facilidade da preguiça que o põe fora de condições. Um homem pode sacrificar as emoções em favor de sua carreira ou uma mulher pode sacrificar a carreira às suas emoções. Se o ato é puro e sem arrependimentos, uma imensa quantidade de energia psíquica é liberada para a utilização no caminho escolhido. Mas, se o desejo interior é simplesmente expressão inibida e negada e não é realmente deposto no altar do sacrifício como uma deliberada e livre oferenda, a vítima infortunada fez a pior escolha. É aqui que precisamos da energia de Ogum para nos tornarmos como o sacerdote que arranca o sacrifício de nossas mãos, mesmo que seja o nosso primogênito, e o oferece a Deus com um golpe rápido, puro e misericordioso, pois Ogum é a coragem e resolução que nos liberta da ferida da auto-piedade.
Há males que vem para bem
Mas nem sempre o passo à frente vem de nossa livre iniciativa. Muitos de nós, quando em sua zona de conforto, se transformam em verdadeiras pedras vivas, afinal, “em time que está ganhando não se meche” não é assim? Só que não estamos aqui de férias; nossa experiência nesta vida é um trabalho de evolução e aprendizado e as vezes, quando tudo parece estar bem, vem aquela tempestade e arranca nosso teto; perde-se o emprego, quebra-se uma perna… provavelmente a guerra seja a mais transformadora das situações (não é por acaso ser este o adjetivo de Ogum); enfim, muita coisa pode acontecer de forma a “quebrar” aquilo que imaginávamos como a vida ideal. Mas essas dificuldades sempre nos apontam para o mesmo caminho: em frente! O que imaginávamos ser uma tragédia, na verdade é um empurrão em direção daquilo que não tivemos coragem, ou iniciativa de empreendermos enquanto estávamos confortáveis…e isso é bom, “o que não te mata, te fortalece”! De qualquer forma, significa progresso, evolução, a partir da destruição de uma situação anterior. Pensemos nisso…
“Que falta nos fazem as virtudes espartanas de Geburah nesta época de sentimentalismos e neuroses! Quantas quedas não poderíamos evitar se esse Cirurgião Celestial pudesse executar o corte limpo que tem chance de curar, evitando assim o compromisso fatal e a irresolução doentia, que é como uma ferida aberta e ameaçada de gangrena!”
Por que Ogum é o Orixá do ferro?
Mas, sigamos em frente. Observemos a sabedoria antiga Yorubá ao relacionar Ogum ao ferro.
Ogum dá aos homens o segredo do ferro
Na Terra criada por Obatalá, em Ifé, os orixás e os seres humanos trabalhavam e viviam em igualdade. Todos caçavam e plantavam usando frágeis instrumentos feitos de madeira, pedra ou metal mole. Por isso o trabalho exigia grande esforço. Com o aumento da população de Ifé, a comida andava escassa. Era necessário plantar uma área maior.
Os orixás então se reuniram para decidir como fariam para remover as árvores do terreno e aumentar a área da lavoura.
Ossaim, o orixá da medicina, dispôs-se a ir primeiro e limpar o terreno. Mas seu facão era de metal mole e ele não foi bem sucedido. Do mesmo modo que Ossaim, todos os outros orixás tentaram, um por um, e fracassaram na tarefa de limpar o terreno para o plantio.
Ogum, que conhecia o segredo do ferro, não tinha dito nada até então.
Quando todos os outros orixás tinham fracassado, Ogum pegou seu facão, de ferro, foi até a mata e limpou o terreno. Os orixás, admirados, perguntaram a Ogum de que material era feito tão resistente facão. Ogum respondeu que era de ferro, um segredo recebido de Orunmilá.
Os orixás invejavam Ogum pelos benefícios que o ferro trazia, não só na agricultura, como à caça e a te mesmo à guerra.
Por muito tempo os orixás importunaram Ogum para saber o segredo do ferro, mas ele mantinha o segredo só para si. Os orixás decidiram então oferecer-lhe o reinado em troca de que ele lhes ensinasse tudo sobre aquele metal tão resistente.
Ogum aceitou a proposta.
Os humanos também vieram a Ogum pedir-lhe o conhecimento do ferro. Mas, apesar de Ogum ter aceitado o comando dos orixás, antes de mais nada ele era um caçador. Certa ocasião, saiu para caçar e passou muitos dias fora numa difícil temporada. Quando voltou da mata, estava sujo e maltrapilho.
Os orixás não gostaram de ver seu líder naquele estado. Eles o desprezaram e decidiram destituí-lo do reinado.
Ogum se decepcionou com os orixás, pois, quando precisaram dele para o segredo da forja, eles o fizeram rei e agora diziam que não era digno de governá-los.
Então ogum banhou-se, vestiu-se com folhas de palmeira desfiadas, pegou suas armas e partiu. Num lugar distante chamado Irê, construiu uma casa embaixo da árvore de acocô e lá permaneceu.
Os humanos que receberam de ogum o segredo do ferro não o esqueceram. Todo mês de dezembro, celebram a festa de Iudê-Ogum. Caçadores, guerreiros, ferreiros e muitos outros fazem sacrifícios em memória de Ogum.
Ogum é o senhor do ferro para sempre.
A primeira ferramenta que o homem utilizou foi a pedra. Primeiro no próprio formato que encontrava, depois aprendeu a quebrá-la ou lascá-la em um formato mais apropriado mas sempre em sua composição química original, ou natural. O mesmo se pode dizer da madeira, sendo utilizada na forma em que era encontrada ou talhada num novo formato, mas sempre em sua composição química original, ou natural.
O homem conheceu o ferro puro encontrando em meteoritos que caíram aqui, mas em quantidade mínima o que chegou a tornar esse metal mais valioso que o ouro. As grandes quantidades de ferro que existiam (e ainda existem) na crosta terrestre não serviam de muita coisa pois em seu estado natural contém muita impureza, sendo ruim para uso. Só quando o homem aprendeu como fazer a “transformação que purificaria e moldaria” o ferro é que conseguiu grande progresso.
O ferro é encontrado na natureza sob várias formas, a mais comum é a Hematita Fe2O3 mas nesse estado não é lá grande coisa. O ferro, quando entra numa forja (ou num auto-forno) não é apenas para derreter e ganhar forma, antes disso é para eliminar impurezas. Numa pequena aula de química, o que ocorre é o seguinte:
O ferro é encontrado em uma vasta gama de minerais, destacando-se a hematita, de fórmula molecular Fe2O3, em um composto magnético de nome magnetita, cuja fórmula molecular é Fe3O4, e a pirita, um composto contendo átomos de enxofre de fórmula molecular FeS2. Uma grande parte dos compostos do elemento ferro são de natureza óxida, de maior ou menor impureza.
Nos processos de obtenção do elemento químico ferro merecem destaque aqueles que envolvem a oxi-redução. Por exemplo, tem-se a redução dos minerais de natureza óxida, onde inicialmente os óxidos do elemento ferro são reduzidos com monóxido de carbono, produzindo assim o ferro metálico, conforme as equações abaixo, que expressam a redução da magnetita.
Fe3O4 + 3CO → 3FeO + 3CO2
Na equação acima são necessários três mols de monóxido de carbono para cada mol de magnetita, de modo que o produto de interesse é o óxido de ferro, o qual é obtido em três mols, ao lado de três mols de gás carbônico.
FeO + CO → Fe + CO2
Este óxido de ferro reage então com outra molécula de monóxido de carbono, resultando então em ferro metálico (produto de interesse) e gás carbônico como subproduto. Esse é um dos processos pelos quais o ferro elementar, metálico, pode ser obtido, sendo hoje de relevância para a indústria.
Enfim, voltando ao nosso mundo, provocou-se uma transformação íntima (molecular) no elemento para que se tornasse mais puro e valioso, e o mais interessante é que a transformação do ferro fundido em ferro sólido, quando o produto transformado começa a adquirir seu formato final, é uma reação exotérmica, isso é, libera energia…lembram do catabolismo citado lá em cima? Curioso, né?
Então, Ogum, o Orixá dos caminhos abertos, da diligência, da energia e da coragem, o Orixá que nos dá força para seguirmos em frente em nossa evolução, que ajuda a nos transformar em alguém melhor, só podia ser o Orixá do Ferro… nem da madeira nem da pedra.
OGUM É O SENHOR DO FERRO PARA SEMPRE.
OGUNHÊ, MEU PAI!
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Fontes
“Cabala Mística” – Dion Fortune
“Mitologia dos Orixás” – Reginaldo Prandi
“Os Orixás e a Kabbalah” – http://www.deldebbio.com.br
“Geburah: The Sphere of Will and Power” – http://www.innermorphosis.com/
“Obtenção do elemento químico ferro” – http://www.infoescola.com/
Imagem Ogum – Sinuous Magazine – James C. Lewis
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