O que a cabala diz sobre...

Pecado, inveja, dinheiro, almas gêmeas, Deus, perdão,
destino... Descubra como a filosofia cabalística vê – e o que tem a
dizer sobre – esses e outros temas do nosso dia a dia

Espiritualidade
É a partir do sincero exercício da espiritualidade que conseguimos
alcançar o patamar mais alto de desenvolvimento e entrar verdadeiramente
em contato com o divino. Segundo o Zohar – que é a obra mais
importante para os cabalistas, escrita há quase dois mil anos – o
universo é regido por leis espirituais precisas de ação e reação, causa
e efeito. No comentário mais famoso sobre o Zohar, chamado Sulam
(escrito no século XX pelo Rabbi Yehuda Ashlag) é descrito um método
prático, passo a passo, para entender essas leis e alcançar o grande
objetivo de todas as almas: atingir um grau de espiritualização em que
não existam mais barreiras entre os mundos da matéria e do espírito.
Assim, a criatura seria, novamente, aderida ao Criador. Essa posição é
chamada de “o fim da correção”, o mais alto nível de completude.
Pecado

Sim,
o conceito de pecado existe na filosofia da cabala, a qual ensina que
ações, desejos e pensamentos negativos trazem aflição para nossas
próprias vidas e também para o restante do mundo. No entanto, não
sofremos punição imediata por nossos pecados. Segundo o rabino Michael
Berg, diretor do The Kabbalah Centre (um dos principais centros de
estudo da cabala no mundo) caso vivêssemos em um mundo onde os efeitos
da ação negativa se manifestassem de imediato como dor e sofrimento, o
elemento de escolha desapareceria de nossas vidas. “A correlação entre
causa e efeito está oculta para preservar o poder de escolha individual.
Por isso não levamos um choque elétrico de imediato a cada vez que nos
movemos na direção espiritual errada. Da mesma forma, não somos
imediatamente recompensados cada vez que fazemos a ação correta”,
explica Berg. Ou seja, cabe apenas a nós ter consciência de nosso
comportamento e da relação que ele traça com as leis espirituais, bem
como tomar decisões sabendo que consequências – tanto boas quanto más –
se desenvolverão a partir de nossas ações. “A dor é uma oportunidade
para corrigirmos nosso comportamento”, diz o rabino.
Inveja

"A
inveja é um sentimento natural, que surge quando, em vez de querer
algo, você quer evitar que o outro consiga alguma coisa", descreve o
rabino Nilton Bonder, líder espiritual da Congregação Judaica do Brasil,
em seu livro
A cabala da inveja (Editora Imago). Ele explica
que, assim como a alegria está ligada à gratidão pelo que Deus nos deu, a
inveja representa ingratidão pelo corpo e pelas posses que recebemos
dele. “É um anseio autodestrutivo de ser outra pessoa, com uma rejeição
implícita de quem nós somos na verdade”, diz. Para a cabala, que tem o
autoconhecimento e a autovalorização como conceitos fundamentais, esse é
um grande mal. “A inveja representa uma corrupção do fluxo de energia
divina. É uma distorção do anseio pela luz, sentimento que nos é dado
para ajudar em nossa transformação espiritual”, diz Michael Berg.
Destino
Em vez de uma trajetória pré-definida e inflexível, o destino de cada
um é definido de acordo com suas ações durante a vida. Por isso, o
agora é sempre mais importante. Segundo o rabino Shmuel Lemle,
coordenador da unidade carioca do The Kabbalah Centre, o importante, em
vez de manter-se preso às lembranças do passado,

é dedicar energia ao que acontece hoje, já que o agora é o único
momento no qual podemos interferir, alterando consideravelmente o plano
previamente desenhado. Mesmo assim, há quem tente usar a cabala para
prever acontecimentos futuros. Um exemplo pode ser comprovado no
best-seller americano
O código da Bíblia (Editora Cultrix), de
Michael Drosnin, no qual o autor alega que, por intermédio de cálculos
matemáticos, é possível encontrar qualquer acontecimento passado ou
futuro na Bíblia – o que, é claro, não é nenhuma novidade para os
estudiosos da cabala. A grande diferença é que Drosnin se arrisca a
fazer profecias e previsões, o que é possível, mas terminantemente
proibido pelo judaísmo. “Prever o futuro é uma deturpação da verdadeira
função da numerologia cabalística”, diz Shmuel Lemle.
Perdão

Nos
textos sagrados, encontramos a história de Esaú e Jacó, irmãos gêmeos
que se tornam grandes rivais quando Jacó resolve se passar por Esaú
perante o pai. O objetivo? Roubar as regalias do outro que, primogênito,
tinha direitos exclusivos. O Zohar relata que, furioso, Esaú
aproximou-se do irmão com imensa raiva e intenção de matá-lo, mas, em
vez disso, seu coração o impeliu a dar um beijo no rosto de Jacó – o
beijo do perdão. Segundo a cabalista Graziella Marraccini, esse episódio
ilustra a importância de aceitar o outro de coração aberto e evitar os
julgamentos, pois perdoar cria a condição para que sejamos também
perdoados, e condenar o próximo é também uma forma de condenar a si
mesmo. “Esaú mudou seu impulso de matar porque reconheceu que dentro de
seu irmão existia a mesma centelha divina contida nele próprio”, diz
Graziella.
Dinheiro
O dinheiro é visto, muitas vezes, como o símbolo maior da ganância,
uma fonte de energias ruins. Mas não é bem assim. Para os cabalistas, a
riqueza só é um pecado quando é movida pela avareza e pelo egoísmo. Se
administrado de maneira correta, o dinheiro pode ser uma intensa fonte
de luminosidade. Mas por que? De

maneira
geral, nossas posses são necessárias para que vivamos com qualidade,
além de permitirem que ajudemos os outros. É aí, por sinal, que reside
um dos grandes ensinamentos da cabala em relação ao altruísmo: a doação
sem expectativa de retorno. Segundo o rabino Nilton Bonder, autor também
da obra
A cabala do dinheiro (Editora Imago), sempre que você
abre mão de algo para ajudar o outro – sendo esse ato por pura vontade e
empatia –, está potencializando sua interação com o universo. "Nesse
caso, o universo o acolhe e gratifica de alguma maneira", explica
Bonder. Isso porque o dinheiro representa energia, e energia precisa
estar sempre em circulação. Dessa forma, todos vivem bem, em harmonia
consigo mesmo e entre si. “Ninguém é tão pobre que não possa doar alguma
coisa, nem tão rico que não possa receber", recomenda Bonder.
Almas gêmeas

Quem acredita na máxima popular que diz que os opostos se atraem está enganado. No livro
Transforme sua vida com a Cabala
(Universo dos Livros), o autor Rodrigo Rudiger explica que na filosofia
cabalística existe a chamada “equivalência de qualidades”. Isso
significa que, se dois objetos espirituais forem idênticos em suas
qualidades, eles se unirão em um sentimento mútuo, que engloba todos os
outros sentimentos. Esse é o amor: a aproximação dos desejos,
pensamentos e qualidades, que permite que as pessoas tornem-se
compreensíveis umas às outras. Nesse processo, torna-se evidente que as
duas almas poderão evoluir juntas. Sobre o amor, ainda, o renomado
cabalista Rav Kuk disse certa vez, durante uma entrevista em uma rádio
de Israel: “será que é possível encontrar num mundo tão complexo um
sentimento tão puro? A sabedoria da cabala afirma que, enquanto o homem
não mudar o seu desejo egoísta para o altruísmo, ele jamais sentirá o
sabor do verdadeiro amor”.
Felicidade

A
cada dia, o universo em que vivemos se transforma. O mundo, portanto,
não é um produto acabado, onde simplesmente existimos, sem qualquer
interação. Segundo o rabino Michael Berg, devemos aproveitar essa
possibilidade de alterar e melhorar o mundo para que ele se torne um
lugar do qual possamos verdadeiramente desfrutar. “Muitas guerras,
perseguições e tragédias humanas foram perpetradas ao longo dos séculos,
supostamente por serem a vontade de Deus. No entanto, a cabala nos diz
que a vontade Dele é que encontremos prazer em Sua criação”, diz Berg.
Ou seja, a felicidade está, aos olhos de Deus, entre os nossos maiores
objetivos. E, para alcançar essa plenitude, devemos viver de modo a
potencializar nosso desenvolvimento espiritual e transformar nossa
natureza de reativa para proativa – investir no autoconhecimento e
cultivar a preocupação com o outro são passos fundamentais.
Deus

A
cabala é, em essência, um sistema de adequação do ser humano com o
universo e com o bem absoluto – ou seja, com Deus. O objetivo maior de
quem estuda os ensinamentos cabalísticos é entrar em contato com o
divino, que é infinito, incorporando tudo o que existe, existiu e
existirá. Mas, de acordo com o rabino Yossef Salton, Deus não é alguém
com uma figura ou estrutura definida, como é costumeiramente retratado –
Ele deve ser compreendido, na verdade, como uma energia infinita.
“Quando é dito na Bíblia que o homem foi criado à imagem de Deus,
significa que nossa essência espiritual também é energia”, explica.
Autoconhecimento

Em
meados do século 18, o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) afirmou que
“somos todos dotados da maravilhosa capacidade de não nos
reconhecermos”. E essa é uma verdade para grande parte das pessoas. Para
os cabalistas, o autoconhecimento é absolutamente necessário, e deve
resultar de uma longa busca individual, que ninguém pode empreender a
não ser você mesmo. É a partir dessa busca que se traça o caminho para o
estudo aprofundado da cabala e o desenvolvimento que este traz.
“Abra-me um pouco seu coração, e eu lhe abrirei o mundo”, ensina o
Zohar. É com a auto-análise, que resulta do conhecimento profundo de si
próprio, que fundamentamos o desejo por mudanças e podemos ir além.
Texto • Thiago Perin