IANSÃ
Numa primeira instância, quando lemos sobre Iansã é comum encontramos as descrições: Senhora dos Raios, dos Ventos e Tempestades.
Veja bem:
- Iansã não é o acúmulo de carga elétrica, é o Raio.
- Iansã não é a nuvem Cumulonimbus, é a Tempestade.
Para compreendermos melhor este Orixá, vamos por partes, estudando inicialmente o que é um raio.
Raio (meteorologia)
Um raio é uma descarga elétrica de grande intensidade que ocorre quando a rigidez dielétrica (capacidade isolante) do ar é quebrada e cargas elétricas fluem diretamente da nuvem para o solo, do solo para a nuvem ou ainda entre nuvens. Em média, de cinqüenta a cem descargas acontecem a cada segundo em todo o mundo. Essas descargas representam um imenso fluxo de energia que atinge (em média) valores de 125 milhões de volts, 200 mil ampères e 25 mil graus centígrados.
A chave que nos interessa aqui é FLUXO DE ENERGIA.
Da mesma forma, uma tempestade contém em si uma quantidade absurda de energia e quando se forma e acontece, há uma grande dissipação dessa energia seja através de raios, chuva ou ventos, etc, constituindo um mecanismo gigantesco onde também se observa um imenso fluxo de energia.
Tudo bem; então raios, ventos e tempestades representam um imenso fluxo de energia. E Iansã com isso?
Este simbolismo genial, criado há milênios, foi uma forma muito sutil de associar Iansã a Chokmah, 2ª esfera da Árvore da Vida.
Como vimos anteriormente em Ibeji a luz da Cabala, Kether/Ibeji, a primeira esfera, equivale à forma mais transcendental de Deus que podemos conceber. Kether é o ponto formulado no vazio. De acordo com a definição euclidiana, um ponto tem posição, mas não dimensões. Se, contudo, concebermos esse ponto movendo-se no espaço, ele se transformará numa linha. E se imaginarmos o Ponto Primordial que é Kether estendendo-se pela linha que é Chokmah, teremos a representação simbólica mais adequada que seremos capazes de alcançar em nosso presente estágio de desenvolvimento. A força que flui incessantemente do Imanifesto transcende as suas limitações, demandando modos novos de desenvolvimento a estabelecendo relações e tensões novas. Chokmah é esse fluxo de força desorganizada a desequilibrada, e, sendo Chokmah uma Sephirah dinâmica, que flui incessantemente como energia ilimitada, poderíamos considerá-la, apropriadamente, mais como um canal por onde passa a energia do que como um receptáculo em que a força é armazenada.
Chokmah/Iansã não é uma Sephirah organizada, é sim a Grande Estimuladora do Universo. É de Chokmah/Iansã que Binah/Xangô, a Terceira Sephirah, recebe o seu influxo de emanação, e Binah é a primeira das Sephiroth organizadoras e estabilizantes.
Consoante a isso, também encontramos vários textos em que Iansã é denominada a Senhora das Paixões.
Paixão: amor, ódio ou desejo demonstrado de maneira extrema. “O mar é o amor, a onda é a paixão.” Ou seja, um imenso fluxo de energia que transborda do amor (ou do ódio).
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Continuando, não é possível compreender nenhuma Sephirah sem estudar a sua companheira; por conseguinte, para compreender Chokmah/Iansã, deveremos dizer algo a respeito de Binah/Xangô. Em Chokmah e Binah temos, respectivamente, o positivo e o negativo arquetípicos; a masculinidade e a feminilidade primordiais, estabelecidas quando a manifestação ainda era incipiente. É desses pares de opostos primários que surgem os Pilares do Universo, por entre os quais se tece a rede da manifestação: O princípio Estimulante de Iansã com o poder formativo de Xangô.
O chifre de Búfalo
Não é minha intenção aqui aprofundar este estudo à Árvore da Vida mas apenas observar sua relação com os Orixás Africanos e tentar, com isso, compreendê-los um pouco melhor. Dentro desta observação de correlação, notamos que um dos símbolos mais representados com Iansã é o chifre de búfalo. A origem dessa associação de Iansã ao chifre de búfalo pode ser lida na lenda anexa ao final do texto. Ocorre que este símbolo, o chifre, curiosamente também está incluído nesta correlação!
A Cornucópia
Um dos amuletos mais comuns e conhecidos no mundo são os pedaços de chifres e cornos (ou metais e corais moldados à forma de um chifre). Este amuleto é também chamado de Cornucópia de Amaltea e sua origem data das celebrações gregas.
E quem era Amaltea?
Amaltea era uma cabra descendente do Sol que vivia numa gruta no monte Ida, em Creta. Ou segundo outras fontes, era uma ninfa, filha de Meliseo, que alimentou Zeus com o leite de uma cabra. Segundo as lendas, quando Zeus era pequeno e estava escondido de seu pai, Saturno (Chronos) e era tratado por Amaltea, num ataque de ira, o deus menino agarrou com força o corno da cabra, puxou-o e arrancou-o, produzindo uma enorme dor à sua cuidadora. Quando Zeus ficou adulto, ele concedeu ao chifre arrancado o dom da abundância; a partir desse momento o chifre estaria sempre cheio de alimentos e bens que o seu dono possa desejar.
Quando Amaltea morreu, foi levada a Zeus, que a transformou na constelação de Capricórnio. O chifre ficou conhecido como “a cornucópia” ou “o corno da abundância”. Desta maneira, ao mesmo tempo, este símbolo representava o poder fálico dos deuses criadores e o ventre gerador da vida feminino. Traçando um paralelo com a Kabbalah hermética, temos o Caminho de Daleth, entre Chokmah/Iansã e Binah/ Xangô. Em Daleth nós encontramos a união do princípio fecundante masculino e o princípio receptivo feminino primordiais que resultam na manifestação do Universo.
Aliás, se ninguém percebeu ainda, casualmente, Iansã que nas lendas é referida como esposa preferida de Xangô, na Árvore da vida também é seu par! Iansã é o Raio e Xangô o Trovão!
Senhora dos Eguns
Em segunda instância, Iansã é mencionada como a Senhora dos Eguns, aquela que exerce poder sobre eles os enfrentando quando necessário e encaminhando para a evolução.
Esta característica se deve a esta Chokmah ser o canal por onde flui a energia do Imanifesto. Podemos verificar isso pelas características dos caminhos a ela ligados.
- Título: O Espírito Santo.
- Inteligência: Inteligência cintilante.
- Posição: Une as Esferas Kether (Ibeji) a Chokmah (Iansã)
A Inteligência Cintilante é a vitória sobre os véus da ilusão que se desfazem pelo o poder da Luz emanada de Kether, o Grande Dispersador. Paulo, em sua carta para os coríntios, afirma que “a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus“, mas ele fala de “um mistério: nem todos dormirão, mais será transformado tudo.”. . “Porque é necessário que este corpo corrutível se revista de incorruptibilidade e que o corpo mortal se revista de imortalidade.” Isto sugere que o homem comum, de mutável de natureza, será substituído pelo homem espiritual, imutável e imortal, pelo nascimento natural de um estado de consciência superior. Infelizmente, raramente isso ocorre antes do desencarne.
- Título: O Hierofante.
- Inteligência: Inteligência Triunfal.
- Posição: Une as Esferas Chokmah (Iansã) a Chesed (Oxóssi)
O 16º Caminho é o da INTELIGÊNCIA TRIUNFAL ou ETERNA, porque é o prazer da Glória além de qual não há outro semelhante para ela, é chamado também o Paraíso preparado para os justos. Nele, nos deparamos com as puras emanações de planos superiores. Chokmah é considerado como um receptor dinâmico e transmissor das energias divinas; por isso este Caminho é denominado Triunfal ou da Inteligência Eterna. Chokmah é o Grande Estimulador, pois estimula e provoca a evolução.
O significado espiritual deste caminho é determinado pelo signo feminino e terreno de Touro que é o símbolo da concretização mais densa na Terra. Esta informação nos dá uma grande luz sobre o significado de Iansã se “despir de sua pele de búfalo” na lenda! Simboliza claramente sua atuação sobre os espíritos que “se despiram da carne”.
- Título: A Mãe.
- Inteligência: Inteligência Constituinte.
- Posição: Une as Esferas Chokmah (Iansã) a Tiferet (Oxalá)
O propósito deste Caminho é a Visão de Deus, cara a cara; em outras palavras, a Individualidade se coloca em frente a Chokmah com a dinâmica da pura energia divina, simbolizada pela carta Heh, chave deste Caminho que significa janela. A personalidade toma conhecimento, condicionamentos e experiências que se vão ampliar em razão do alongamento de seus horizontes mentais e espirituais.
Resumindo: Os aspectos descritos nesses 3 caminhos ligados a Chokmah nos leva a intuir que o fluxo de energiaemanado por Iansã é a chave para entendermos sua ligação com os Eguns, ou melhor, com os desencarnados que estão perdidos mas desejosos de encontrar um caminho e seguir a evolução. É ela quem estimula e provoca a evolução!
O Alfanje
Em outras representações, Iansã porta um Alfanje (sabre de folha curta e curva) de cobre. Qual o significado disso? Para esta questão não encontramos resposta na Árvore da Vida pois não há relação deste metal com Chokmah, então recorremos a outra fonte. O livro A Força Mística dos Metais nos apresenta o cobre como apropriado para o tratamento espiritual de saudade, infelicidade, frieza, falta de hospitalidade, frio interior, tristeza, rejeição e cólera; ou seja, é o metal mais adequado para o trato com recém desencarnados.
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Anexo
Lenda: Iansã e a pele de búfalo
Ogum foi um dia caçar na floresta. Ele ficou na espreita e viu um búfalo vindo em sua direção. Ogum avaliou logo a distância que os separava e preparou-se para matar o animal com a sua espada. Mas viu o búfalo parar e, de repente, baixar a cabeça e despir-se de sua pele. Desta pele saiu uma linda mulher. Era Iansã, vestida com elegância, coberta de belos panos, um turbante luxuoso amarrado à cabeça e ornada de colares e braceletes. Iansã enrolou sua pele e seus chifres, fez uma trouxa e escondeu num formigueiro. Partiu, em seguida, num passo leve, em direção ao mercado da cidade, sem desconfiar que Ogum tinha visto tudo. Assim que Iansã partiu, Ogum apoderou-se da trouxa, foi para casa, guardou-a no celeiro de milho e seguiu, também, para o mercado. Lá, ele encontrou a bela mulher e cortejou-a. Iansã era bela, muito bela, era a mais bela mulher do mundo. Sua beleza era tal que se um homem a visse, logo a desejaria. Ogum foi subjugado e pediu-a em casamento. Iansã apenas sorriu e recusou sem apelo. Ogum insistiu e disse-lhe que a esperaria. Ele não duvidava de que ela aceitasse sua proposta. Iansã voltou à floresta e não encontrou seu chifre nem sua pele.
“Ah! Que contrariedade! Que teria se passado? Que fazer?”
Iansã voltou ao mercado, já vazio, e viu Ogum que a esperava.
Ela perguntou-lhe o que ele havia feito daquilo que ela deixara no formigueiro. Ogum fingiu inocência e declarou que nada tinha a ver, nem com o formigueiro nem com o que estava nele. Iansã não se deixou enganar e disse-lhe:
“Eu sei que você escondeu minha pele e meu chifre. Eu sei que você se negará a me revelar o esconderijo. Ogum, vou me casar com você e viver em sua casa. Mas, existem certas regras de conduta para comigo. Estas regras devem ser respeitadas, também, pelas pessoas da sua casa.
Ninguém poderá me dizer: Você é um animal!
Ninguém poderá utilizar cascas de dendê para fazer fogo.
Ninguém poderá rolar um pilão pelo chão da casa”.
Ogum respondeu que havia compreendido e levou Iansã. Chegando em casa, Ogum reuniu suas outras mulheres e explicou-lhes como deveriam comportar-se. Ficara claro para todos que ninguém deveria discutir com Iansã, nem insulta-Ia. A vida organizou-se. Ogum saía para caçar ou cultivar o campo. Iansã, em vão, procurava sua pele e seus chifres. Ela deu à luz uma criança, depois uma segunda e uma terceira … Ela deu à luz nove crianças. Mas as mulheres viviam enciumadas da beleza de Iansã. Cada vez mais enciumadas e hostis, elas decidiram desvendar o mistério da origem de Iansã. Uma delas conseguiu embriagar Ogum com vinho de palma. Ogum não pôde mais controlar suas palavras e revelou o segredo. Contou que Iansã era, na realidade, um animal; que sua pele e seus chifres estavam escondidos no celeiro de milho. Ogum recomendou-lhes ainda:
“Sobretudo não procurem vê-los, pois isto a amedrontará. Não lhes digam jamais que é um animal!” Depois disso, logo que Ogum saía para o campo,as mulheres insultavam Iansã: “Você é um animal! Você é um animal!!”
Elas cantavam enquanto faziam os trabalhos da casa:
“Coma e beba, pode exibir-se, mas sua pele está no celeiro de milho!”
Um dia, todas as mulheres saíram para o mercado. Iansã aproveitou-se e correu para o celeiro. Abriu a porta e, bem no fundo, sob grandes espigas de milho, encontrou sua pele e seus chifres. Ela os vestiu novamente e se sacudiu com energia. Cada parte do seu corpo retomou exatamente seu lugar dentro da pele.
Logo que as mulheres chegaram do mercado, ela saiu bufando. Foi um tremendo massacre, pelo qual passaram todas. Com grandes chifradas Iansã rasgou-lhes a barriga, pisou sobre os corpos e redou-os no ar. Iansã poupou seus filhos que a seguiam chorando e dizendo:
“Nossa mãe, nossa mãe! É você mesma? Nossa mãe, nossa mãe!! Que você vai fazer? Nossa mãe, nossa mãe!!! Que será de nós?”
O búfalo os consolou, roçando seu corpo carinhosamente no deles e dizendo-lhes:
“Eu vou voltar para a floresta; lá não é um bom lugar para vocês. Mas, vou lhes deixar uma lembrança.”
Retirou seus chifres, entregou-lhes e continuou:
“Quando qualquer perigo lhes ameaçar,quando vocês precisarem dos meus conselhos, esfreguem estes chifres um no outro. Em qualquer lugar que vocês estiverem, em qualquer lugar que eu estiver, escutarei suas queixas e virei socorrê-los.”
Eis porque dois chifres de búfalo estão sempre no altar de Iansã.
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Fontes:
A Cabala Mística – Dion Fortune
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