Xamanismo e os xamãs
O xamanismo figura na origem das práticas de tratamento da alma, da mente e do corpo, tendo deixado influências em todos os continentes. A notável criatividade de suas técnicas vem ressurgindo no enfoque holístico de muitas terapias, além de promover a aliança do homem moderno com as forças naturais.
O xamã é um especialista do mundo invisível com um talento muito particular, que lhe permite entrar e sair dele com liberdade e conhecimento para curar, fazer adivinhações, ver o passado, o presente ou futuro, conciliar o homem com o sobrenatural e as forças mágicas. Ele é o manipulador do “Sagrado” e mestre do êxtase, do transe extático, um dos aliado dos espíritos da natureza, dos ancestrais, que trava contato com as potências celestes como com as infernais, de acordo com a necessidade do grupo a que serve.
Classificá-lo apenas como feiticeiro, pajé, curandeiro ou mago é limitar a ação desse agente da força mana universal e impessoal, responsável pelo sistema mais antigo de tratamento da mente e do corpo.
Acredita-se que o xamanismo tenha pelo menos 30.000 anos de história, tendo surgido no período Paleolítico.
Seu desenvolvimento transcorreu de modo paralelo à consciência religiosa, fortalecendo-se por meio dela.
Todos os continentes receberam influências da tradição xamânica, especialmente as regiões do norte e do centro-asiático, as regiões árticas e as norte-européias.
Países como a Índia, Tibete, China, Japão, Austrália, África, toda a América do Norte, a Central e a Sul tem vestígios de suas práticas.
No Brasil, onde existem várias nações indígenas, a imagem do xamã equivale-se à do pajé, à do curandeiro e à do conselheiro espiritual da tribo.
Na língua dos povos Tungus, da Sibéria, vamos encontrar o termo saman e, em sânscrito sramana, que muito provavelmente registram a origem da expressão xamã, traduzida como “homem inspirado pelos espíritos”. Não que o xamanismo fosse um fenômeno exclusivamente masculino, pois tudo indica que através do tempo a participação das mulheres diminuiu muito, pela impassibilidade de conciliar as exigências da vida familiar com as funções designadas a esse mestre do mundo invisível
Os xamãs foram os primeiros professores, profetas, contadores de histórias, artistas místicos e investigadores da natureza. Tinham desenvolvidas no mais alto grau as suas capacidades mentais e aplicavam o conhecimento intuitivo animal, que reside em nosso sistema límbico – área primitiva co cérebro conectada com a memória animal, que diz respeito à mente prólógica. Daí o xamã trabalhar com seus animais de poder, que são seres espirituais que lhe protegem e servem, manifestações da sua outra identidade, e que podem ser descobertos por todas as pessoas em seu mundo interno.
Na jornada às outras dimensões os xamãs tem os seus animais como seus cúmplices e as plantas de poder como seus agentes secretos; a percepção aguda dos seus animais auxiliares permite-lhe rastrear a enfermidade do paciente, e o vínculo com os seres vegetais lhe empresta o poder da cura. Para eles só existem os limites da imaginação.
A natureza é a sua grande aliada, e nela todos os seres são vivos e podem agir com finalidade certa. Afinal, almas e espíritos animam todas as coisas do universo por obra do sagrado.
O neófito é o possuidor de uma vocação xamânica, normalmente aflorada em meio a alguma espécie de crise, de prova, que simboliza o seu chamado. A tradição é repleta de histórias que narram o processo de iniciação ritual na arte do xamanismo, sendo muito conhecida a de Carlos Castañeda com seu mestre Dom Juan. O indivíduo com o destino de ser um xamã deve voltar sua sensibilidade para o misticismo, e para isso a realidade se encarrega de defrontá-lo com o sentido profundo da vida. Muitas vezes isso acontece com o surgimento de uma doença, que o futuro xamã conseguirá superar, vivendo o arquétipo junguiano do “curador ferido” – sua morte simbólica para o renascimento em outra consciência.
A entrada no transe que conduz à viagem xamânica exige uma alteração do estado de consciência. Nesse processo, o som, a dança, o canto e os objetos de poder vão criar os estímulos para isso.
Com a consciência alterada, o xamã recebe impressões inacessíveis aos sentidos comuns, penetra na dimensão astral, em outros mundos. Esses mundos não são artificiais, mas tão reais quanto o mundo comum; artificiais podem ser os meios para se chegar até eles.
A ciência tem estudado a natureza do transe xamânico, constatando a superioridade de certos estados de consciência alterada sobre o estado de consciência comum em que vivemos a maior parte do tempo.
A abordagem holística que caracteriza a cultura aquariana emergente tem conciliado com grande felicidade o terapêutico e o espiritual, o tradicional e o contemporâneo. Muitas técnicas multimilenares do xamanismo estão retornando ao presente, expressando-se na psicologia e em diversas modalidades de terapias alternativas, com a criatividade típica desse conhecimento arcaico. E a criatividade é uma condição essencial para o resgate do nosso ser original, para enfrentarmos – como bons xamãs modernos – a morte ritual do pequeno ego que nos fará renascer inteiro
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