O CAMINHO DA GUERREIRA
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Aumenta cada vez mais no atual caminho da espiritualidade feminina a necessidade do fortalecimento do poder pessoal, para remover as marcas sofridas dos séculos de opressão, anulação e subjugação pelas estruturas e valores patriarcais, que impuseram regras de comportamento e crenças através de força, intimidação e agressão.
Nas antigas sociedades matrifocais prevaleciam valores de solidariedade e parceria entre homens e mulheres, visando a sustentação, defesa e florescimento das comunidades. A mudança para as culturas e estruturas patriarcais levou à substituição da Deusa Mãe – criadora e nutridora da vida – pelo Deus Pai, longínquo e punitivo; a ordem religiosa e social tornou-se androcrática e hierárquica e a mulher foi relegada ao papel de vilã, vitima ou escrava, sendo considerada como desprovida de alma e de direitos, por não ter sido criada à imagem do Deus masculino.
Para legitimar o poder patriarcal adotou-se o axioma de que Deus era unicamente masculino, portanto, apenas os homens eram Seus reflexos e somente eles poderiam se comunicar com o divino. Esse dogma oprimiu a alma feminina nos últimos três milênios e destruiu a autoconfiança nos seus direitos e valores, permitindo assim a violência e opressão nos níveis físico, emocional, mental e espiritual. Como consequência resultou um mundo com predominância de valores e ações masculinas, a egrégora desse poder aparecendo disfarçada nos valores culturais, sociais, familiares, espirituais e científicos.
Até hoje em certas tradições místicas e práticas mágicas persiste o conceito patriarcal da liderança espiritual masculina, negando o direito e a capacidade da mulher em dirigir rituais, fazer iniciações, ter visões e revelações ou receber mensagens espirituais fide dignas. A razão oculta da permanência desta supremacia patriarcal continua sendo o medo milenar e atávico dos homens em relação ao poder inato das mulheres no nível mágico e oracular. Esses dons sempre pertenceram a elas, mas lhes foram negados e ao exercê-los, elas sofreram punições ou mortes, por isso o desafio atual das mulheres no caminho da Deusa é superar seus medos, sair do ostracismo e assumir seu poder.
As mulheres contemporâneas precisam de uma tradição isenta de valores e conceitos masculinos, em que não se sintam controladas, podadas ou oprimidas, mas que também não ative nelas a rivalidade e arrogância, conscientes ou não. A autoestima feminina será reconquistada quando a mulher se sentir livre do controle patriarcal, tendo direito para usar suas habilidades psíquicas e criativas, sem se preocupar com a aprovação, aceitação ou rejeição masculina. Todavia, ela deverá evitar os padrões comportamentais nela incutidos pelo patriarcado com a milenar tática de “dividir para conquistar”, competindo com suas irmãs ou perpetuando os jogos de poder. As mulheres atuais devem se unir em uma mesma busca espiritual, conscientes de que o “empoderamento” de uma irmã não ameaça as outras, pelo contrário, contribui para fortalecer a todas.
Quando uma mulher contemporânea decide não mais se deixar dominar, enquadrar ou controlar por idéias, limitações ou crenças patriarcais, ela poderá sentir medo em assumir a responsabilidade pelas mudanças necessárias e as inerentes conseqüências na sua vida. A fé, a devoção e a entrega das suas decisões, opções e ações para uma imagem divina feminina lhe irão permitir a necessária ajuda e proteção, por perceber-se como sagrada e merecedora da liberdade alcançada ao assumir as rédeas da sua vida. Amparada pela conexão com os arquétipos divinos femininos, ela se tornará uma guerreira a serviço da Deusa, de si mesma e de suas irmãs.
O caminho da sacralidade feminina conduz a uma reavaliação de valores, conceitos, atitudes e objetivos, levando ao resgate do poder pessoal, intrínseco e ancestral, que permitirá definir com segurança os objetivos e escolhas. No entanto, o “empoderamento” feminino não significa imitar ou assumir modos, atitudes e comportamentos masculinos, pois a mulher não almeja tornar-se um homem, nem tomar o lugar dele.
O seu propósito é resgatar o poder feminino inato, que lhe permitirá expressar a vasta gama dos seus dons e possibilidades, escolhendo o papel que quer cumprir na sociedade, em família ou no caminho espiritual como “Filha da Deusa”. Como tal ela é forte, mas compassiva, determinada, porém flexível, guerreira mas companheira das suas irmãs de caminhada; ela saberá quando investir ou ceder, usar a espada ou o manto de penas, a armadura ou as asas de cisne. Ao descobrir sua verdadeira identidade, a mulher consciente da sua sacralidade agirá de forma segura, responsável e firme, defendendo seus interesses e limites, mas sem agredir, desrespeitar ou competir com suas irmãs, pois em cada uma ela reconhecerá um reflexo da Deusa. Juntas e de mãos dadas elas irão percorrer, irmanadas, o caminho espiritual que conduz as filhas terrenas ao abraço acolhedor e protetor da Grande Mãe.
Para favorecer e ampliar o crescimento multifacetado da mulher atual, torna-se imperioso que ao restabelecer sua conexão com a Deusa, ela conheça e aplique os conceitos das cinco áreas tradicionais da ancestral sabedoria feminina, ou seja: o caminho da mestra, da curadora, da visionária, da sacerdotisa e da guerreira, que abrangem os aspectos físicos, emocionais, psíquicos, mentais e espirituais femininos.
Ao longo da dominação milenar patriarcal foram permitidos e aprovados os aspectos de mãe e mestra, o ensino sendo a profissão designada pro excelência para a mulher e sua missão existencial, a condição de mãe. Para entrar no campo da cura a mulher está batalhando até hoje, apesar de que as mulheres sempre foram as curandeiras, parteiras e herbalistas. A história de diversas culturas atesta também que as visionárias eram sempre mulheres, que guiavam as decisões dos chefes de tribos, os conselhos das comunidades, as opções de guerra ou paz, prevendo o desfecho das batalhas e as calamidades naturais, que transmitiam as mensagens das divindades e dos espíritos ancestrais. Porém, o patriarcado reprimiu e depois proibiu a atividade visionária das mulheres e negou sua inata capacidade de conexão com o plano divino.
Da mesma forma, foi condenada e cerceada a atuação da mulher como guerreira, mesmo conhecendo sua inata e feroz capacidade defensora dos seus filhos, bem como sua astuta atuação mediadora nas negociações de paz. O aspecto mais combatido e perseguido foi o sacerdotal, por temer sua associação com os poderes mágicos da Lua, dos ciclos, dos espíritos e das energias naturais. As religiões patriarcais como a hebraica, muçulmana e cristã destruíram a tradição sacerdotal feminina, sendo que a Inquisição criou a odiosa “caça às bruxas”, perseguindo e aniquilando as mulheres devido ao seu reconhecido e temido poder sagrado e mágico. Almejava-se também a negação dos direitos ancestrais das mulheres, que lhes permitiam possuir bens, escolher parceiros, ter a opção de gerar ou não, nomear filhos, transmitir conhecimentos, desenvolver e praticar seus dons espirituais e criativos, reverenciar e celebrar as Deusas e a Mãe Natureza.
Na ativação dos cinco caminhos da ancestral sabedoria feminina, a mulher atual assimila facilmente os conceitos de ensino, cura e percepção sutil, mas enfrenta maiores desafios e oposições (internos e externos) para assumir sua capacidade sacerdotal e mágica, devido ao contexto e ambiente religioso, familiar e social em que vive. Porém, o aspecto mais difícil e desafiador para aceitar e exercer é o da guerreira, devido à associação cultural e histórica da luta com violência e agressão. No entanto, a energia de combate e defesa é um dom intrínseco e um direito natural da mulher para se defender de abusos, ameaças, dominação, opressão, injustiças e violências contra si e seus filhos.
O reconhecimento do direito sagrado de assumir o poder da guerreira é o primeiro passo para que a mulher contemporânea alcance seu “empoderamento” e se reconecte com todos os aspectos e faces da Deusa. A Deusa não se apresenta apenas com a sua face de luz, bondade, e compaixão, pois Ela também é a Senhora das batalhas, a Rainha do mundo subterrâneo e a Ceifadora da vida, das fases, dos ciclos e dos relacionamentos naturais e humanos.
O desafio da mulher que quer reaprender como despertar e direcionar seu poder de guerreira consta em falar e agir sem se tornar agressiva, rude, impositiva, desleal ou injusta, reproduzindo traços indesejáveis do comportamento masculino. O “patriarcado interior” é um resquício negativo e nocivo que a mulher deve detectar e eliminar do seu subconsciente e da sua conduta diária, seja em que situação ou nível se manifeste.
Nem sempre o real arquétipo mítico das Valquírias é bem compreendido e assimilado, sua avaliação costumeira permanecendo na interpretação tradicional como auxiliares armadas do deus Odin e condutoras aladas das almas dos guerreiros mortos em combate. Todavia o seu simbolismo é muito mais complexo e amplo, pois a sua verdadeira natureza é de sacerdotisas da deusa Freyja na sua manifestação de Valfreyja, a Senhora do amor, da guerra e da magia.
Conhecidas sob diversos nomes – Waelceaig, Waelcyrge, Valkyrje ou Alaisiagae – elas eram “realizadoras dos desejos humanos” (como Oskemeyjar), “mulheres vitoriosas” (Sige wif), “portadoras dos escudos” (Shield Women) ou apenas as Idisi, as magas ancestrais que enfeitiçavam ou desfaziam maldições e amarras (materiais e mentais), faziam encantamentos (para mudar o tempo, proporcionar vitórias e proteger as mulheres) ou apareciam em sonhos ou visões transmitindo mensagens e alertando sobre perigos iminentes.
Uma mulher que precisa ativar ou reforçar seu poder pessoal desenvolvendo a determinação, assertividade, resiliência, espírito combativo e destemor, irá encontrar na conexão com sua “Valquíria interior” um poderoso auxílio para seu crescimento mágico e espiritual. Para descobrir e ativar a “Valquíria interior” é necessário criar e projetar uma aura de confiança, segurança, altivez e invulnerabilidade, prestando atenção às sutis invasões do seu espaço, às provocações ou falta de respeito em relação à sua pessoa ou atuação, seja humana, sacerdotal ou mágica, atos estes provenientes de homens ou mulheres, que, se forem permitidos ou aceitos passivamente, enfraquecem a essência verdadeira do ser. Muitas vezes as próprias mulheres não aceitam a postura e as ações de uma irmã quando ela revela o seu “empoderamento”, julgando-a agressiva ou hostil, quando ela se posiciona e defende seus ideais, sonhos ou valores, em qualquer um dos caminhos que ela esteja trilhando.
Invocar o auxilio e a força das Valquírias requer também a coragem de mudar, pois Elas são deusas de transformação e renovação. Elas ensinam que a mudança e a morte fazem parte das nossas vidas e que comportamentos, valores, atitudes e objetivos ultrapassados ou prejudiciais (a si ou aos outros) devem “morrer”, seguindo o ciclo dinâmico e o pulsar da vida. Precisamos nos abrir e permitir o processo de desapego, sem impedi-lo ou desviá-lo pelos medos, remorsos, mágoas ou dúvidas, colaborando voluntariamente com a mudança para que ela seja suave e não repentina, nem traumática.
Usando o poder da Valquíria para assumir o controle da sua vida, defender seus direitos e limites, fortalecer e expressar seu magnetismo pessoal irá permitir à mulher moderna novos meios e formas de afirmação e realização, resgatando seu ancestral e sagrado poder de guerreira, para o seu bem e em benefício do Todo
Por: Mirella Faur