Tudo o que Buda ensinou em 2 palavras
Quando lhe pediram para resumir os ensinamentos de Buda numa frase, Suzuki Roshi simplesmente disse: “Tudo muda.”
Todo o mundo sabe disso, pelo menos intelectualmente, que toda a criação está num estado de revolução sem fim. O filósofo grego Heráclito disse a famosa frase: “Nenhum mesmo homem pode percorrer o mesmo rio duas vezes, já que tanto o homem quanto o rio mudaram desde então.”
Impermanência é a própria natureza da vida.
Na verdade, a mudança é apenas outra palavra para vida-“viver” significa “mudar.” Mas poucas pessoas passam pela vida verdadeiramente consciente deste facto. Nós “entendemos” isso, mas esse entendimento (ou ”conhecimento”) falha em influir em nosso comportamento. Nós simplesmente ignoramos a forma como as coisas realmente são. Assim, o ponto desta discussão não é explicar a impermanência para si, mas para aponta-la; para acordá-lo para a verdade da mudança.
Alan Watts costumava comparar a vida à música. O ponto/propósito da música é música, ele diria. As pessoas gostam de ouvir música pelo ritmo, o fluxo da melodia. Ninguém escuta música para ouvi-la terminar. Se fosse assim, então, como Watts apontou, as suas músicas favoritas seriam as que terminaram abruptamente com um único barulho de ruído. A vida é da mesma forma.
O ponto e propósito da vida é a própria vida, participar da melodia. Melodias são como pequenas correntes de água; elas estão a fluir. Não pode moldá-los ou prende-los. Quando faz isso, não há fluxo. Isso é a morte.
A única maneira de participar da melodia é através da consciência desperta. Uma simples consciência desperta é fluida. Uma mente simples perde o seu sentido de individuo/self/ego na música, ao passo que uma mente egocêntrica continua tentando fazer uma pausa na música. Nós forçamos muito em ouvir o que queremos ouvir, em vez de movermo-nos com a música, viver. Estamos acostumados a recuar, como um espectador, um ouvinte tentando pegar o ritmo. Queremos possuir e segurar esse ritmo, essa batida, e se identificar com ela.
Não é o suficiente para nós apreciar a música. Nós temos que saber a letra. Assim, pausamos a música a toda hora e voltamos, a fim de guarda-la na memória e te-la como ”nossa”.
O ego cria um sentido de identidade ou significado a partir de suas interações com “outro”.
Essas interacções produzem um ”recibo”, que o ego tenta colectar e preservar. Ao invés de apreciar o espectáculo em primeira mão, o ego tira fotos e filma o espectáculo, para que ele possa falar sobre isso e partilhar as fotos mais tarde. O rio da vida está sempre fluindo, mas para o ego, cuja existência depende de congelar esse fluxo de mudanças, a flutuação é aterrorizante, e é por isso que chamamos isso de impermanência.
Do ponto de vista pessimista do ego, flutuação e mudanças representam uma ameaça à sua estabilidade, mas no estado sem referencial de simples consciência desperta, o espaço que permite o fluxo ou a mudança é o útero de vitalidade. A vida, a adaptação emerge deste espaço. O ego procura ignorar este espaço enchendo-o de credenciais e solicitações de depoimentos e testemunhos.
O ego é um grande coleccionador.
Ele mantém todos os recibos, comprovativos, e cada memória que lhe dê razão e existência. Numa mente egocêntrica não há espaço, não há espaço para respirar. Mas no fundo, o ego sabe que a coisa toda pode ruir a qualquer momento. Ele lembra-se do espaço, a lacuna silenciosa entre cada nota que permite que a música flua. Essa memória assombra o ego. Produz paranóia e insegurança.
Esta insegurança é o benfeitor que justifica a obsessão do ego com a colecta desses ”recibos”. Uma mente egocêntrica é co-dependente, e essa co-dependência faz de tudo para evitar o espaço, flutuação. O ego é dependente de relacionamento ou de entretenimento, o que exige a separação.
Assim, o ego tem que pensar em si mesmo como uma entidade distinta. Tem que separar-se da vida. Defender esta estratégia segregacionista é necessária para o ego. A separação é o fundamento sobre o qual o império do ego é construído. Como resultado, é cronicamente insatisfeito ou sem vida.
Além do descontentamento e da insatisfação crônica, considere por um momento os problemas que alguém tem se considera a si mesmo como uma ilha ou uma entidade sólida em um mundo fluido.
As coisas mudam. No entanto, o rio não é a única coisa que muda. Segundo Heráclito, o mesmo acontece com o homem. Mas o ego se vê como imutável. Quando estamos no rio da vida com os pés plantados, como se nós fossemos uma ilha, a vida começa a sentir-se como uma parede enorme de água caindo em cima de nós.
Tomemos por exemplo, a transição entre ser solteiro e estar num relacionamento. Quando está solteiro, desenvolve um estilo de vida que não tem que levar em consideração outra pessoa. Pode acordar de manhã beber o seu café, ler o jornal, tomar café da manhã, ir trabalhar, ir para o ginásio, sair com os amigos e assistir o que quiser na TV. Mas quando mete uma outra pessoa na mistura, não pode continuar a operar da mesma forma. A situação mudou, por isso, seu modo de operar anterior esta desactualizado.
Quando “eu” é uma entidade fixa ou um hábito de pensamento, essa transição é difícil. Se agarrar esta imagem desactualizada, o relacionamento vai começar a sentir-se claustrofóbico. Haverá um confronto após o outro. A intensidade vai continuar a aumentar ao longo do tempo, até que tudo, sua auto-imagem e o relacionamento(o homem e o rio)-acabam.
O que pensamos sobre nós mesmos é desafiado pela mudança. Muitas pessoas dizem: “Eu não deveria ter que desistir de quem eu sou, a fim de estar num relacionamento.” Eu digo, senão desistir de quem é, então não está num relacionamento.
Na verdade, se não tem que desistir de quem é em cada momento de cada dia, então não está vivo. Estar vivo é estar em constante estado de revolução. Situações de mudança devem promover mudanças no nosso comportamento. Essa é a sanidade; permitir que novas informações para actualizar o meu ponto de vista. ”Meu ponto de vista”, (o homem, no exemplo de Heráclito), deve permanecer aberto ou fluido. “Tudo muda.”, Que é o ponto básico, de acordo com Shunryu Suzuki. Tudo. A economia, a política, o tempo, as relações, as nossas crenças, a nossa própria noção de identidade – estão em estado de flutuação. Quando estamos abertos a mudanças, a transição é relativamente suave. Nós estamos indo com o fluxo. Por outro lado, quando se tenta salvar todos os nossos ”recibos” , é ai que nos afogamos.
Não podemos nadar com as mãos cheias.
Uma mente aberta é uma mente sã. Uma mente aberta não é uma mente que dá a devida atenção a qualquer ideia, independentemente de quão ridícula ela possa parecer.
Uma mente aberta é um vaivém. É uma mente que não resiste à mudança. Uma mente aberta permite que o pensamento seja um reflexo da mudança. Deste ponto de vista, o pensamento é sempre fresco, porque a vida está sempre mudando. Este é o pensamento original, imaginação. Com consciência desperta, o homem e o rio fluem um no outro.
Temos que aceitar o facto de que não podemos querer sugar a felicidade a força do mundo simplesmente pegando a vida pelo pescoço e forçando-a ser do jeito que queremos que seja. Temos que ver que a vida é mudança, mudança é a vida; que eles são um na mesma coisa.
Tentar organizar fenómenos impermanentes em categorias permanentes do pensamento é como tentar arrebanhar gatos. Além disso, não estamos de alguma forma fora dessa mudança, nós somos a Vida. Nós somos mudança. Confusão e descontentamento surgem a partir da crença equivocada de que somos um substantivo, um nome. O contentamento emerge quando paramos de nadar contra a corrente e se estabelece na realização do facto de que somos uma corrente no fluxo. E essa corrente não é diferente do fluxo. É o movimento do fluxo.
Nós não somos um substantivo ou nome co-dependente que está no banco observando o fluxo de vida, mas sim um verbo que emerge do fluxo da vida.
Texto traduzido do artigo de Benjamin Riggs ”Everything the Buddha Ever Taught in 2 Words.” no site Elephantjournal
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